Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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Redução de Danos (RD) e a produção de cuidados primários
Helcio Fernandes Mattos, Igor Sangenis, Maria Cecilia Soares Almeida, Nathália Oliveira

Resumo


Introdução – Na medida em que a RD foi instituída como o eixo prioritário da Política Nacional, tornam-se necessárias às avaliações do alcance e dos limites das suas bases conceituais. Em dez anos, ocorreram grandes mudanças no cenário da produção das drogas, na distribuição, na disseminação das drogas entre os jovens, no crescimento da violência relacionada com o tráfico, na construção de novos dispositivos de atenção, na formação de novos profissionais e na proposta de novas práticas de intervenção e treinamento. Como a política da RD pode ser considerada a primeira proposta governamental oferecendo um eixo conceitual as práticas existentes sem um modelo coerente com a complexidade da DQ. A avaliação das mudanças poderão nos auxiliar na reflexão sobre a coerência da prática atual e o alcance da mesma em relação aos princípios da reforma sanitária, que, com o apoio da reforma psiquiátrica, buscam a consolidação das diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), seguindo as ambiguidades da institucionalização de um processo de reforma social que avança apenas como uma reforma setorial sem alterar os arranjos sociais sobre os quais se organizam. “equivale ao binômio alusão-ilusão presente nas práticas ideológicas, tal como verificado no caso do “dilema preventivista”, quando alude para um dado problema (ausência de práticas de saúde contemplando aspectos preventivos e sociais) e ilude quando a solução (mudanças de atitudes a partir da educação médica), mantendo a organização social dos serviços de saúde e uma sociedade que atribui diferentes valores de uso e troca à vida humana. No caso do processo da Reforma Sanitária, alude quanto aos problemas de saúde e da organização dos serviços (decorrentes da determinação social) e ilude a solução (reforma parcial), convivendo com iniquidades sociais e um Estado colonizado por interesses capitalistas, corporativos e partidários.” (Pain p. 271, 2007) Objetivos- ampliar as formas de reflexão sobre as práticas públicas da prevenção e as possíveis correlações destas com a concepção da RD. Método- revisão bibliográfica concernente a RD no Brasil e no Québec comparando as práticas decorrentes de uma política que evoluiu a partir de tradição nas intervenções públicas, com a incorporação da RD no caso do Québec, e a instauração de uma política que evolui pela via legislativo-parlamentar e técnico-institucional sem ter alcançado as bases sócio-comunitária, como no caso do Brasil no que tange a política das drogas Resultados – Encontrarmos apenas um texto com críticas a RD, os demais são unanimes em apoiar a RD, sem precisar seus aspectos conceituais, suas diferentes definições, a relação das especificidades das drogas, as vantagens e desvantagens em relação às camadas sociais e as ações em relação aos cuidados primários. Instituída por portaria, é considerada pelos autores como um processo que surgiu de baixo para cima como nos países que já tinham outras propostas de tratamento. Considerando que os problemas surgem apenas depois do uso das drogas, veem os aspectos sociais somente em relação à repressão, não alcançando a produção de cuidados primários. São perceptíveis práticas regidas por atitudes punitivas até nos dispositivos criados para proteção dos adolescentes, sem que sejam consideradas as restrições impostas que mantém a exclusão social. Com a institucionalização há uma adaptação desta prática para o seu desenvolvimento, podendo restringi-la, se o seu emprego descaracterizá-la. METODOLOGIA- revisão bibliográfica no Canadá, com longa tradição em tratamento em DQ, no Brasil que adotou a RD oficialmente em 2002 e a França em 2004. DESCRIÇÃO – Landry e Lecavalier (2003) destacam a incongruência entre a abordagem da RD e as bases do tratamento da DQ. Na RD a preocupação são os danos que ocorrem a partir do uso de drogas. No tratamento e nos cuidados primários, são com os fatores que antecedem. Para a RD as drogas são consideradas estritamente como um fator de risco inicialmente a AIDS (2003, p.5). Na RD a dependência é uma questão menor. Na perspectiva do tratamento DQ é identificada a partir da importância que a droga ocupa no cotidiano dos pacientes, que têm as suas vidas centradas no uso de drogas. O processo do tratamento procura modificar a relação existente com as drogas, tentando devolver ao paciente algum tipo de controle sobre o seu destino, que fica esquecido pela importância atribuída as drogas. É observado o risco das intervenções concernentes a RD levar a que se perca de vista o grande problema de saúde pública que são as drogas(2003,p.5). Na hegemonia do paradigma proibicionista designadas de anti-proibicionista, ainda não tinham uma identidade própria, a não ser a oposição ao modelo dominante, dificultando sua organização como uma força política. A condição do DQ como um fator de risco permitiu que houvesse a adoção da RD, em alguns países com tradição no tratamento das DQs, como o Canadá e na França. Esta assimilação não foi homogênea como era o proibicionismo, havendo várias conceituações, e graus de institucionalização diversos, com vantagens e dificuldades (Brisson, 1997). A complexidade da questão dependência química é evidenciada por Brisson com a distinção entre a RD com meio e a RD como fim afirmando que “toda política ou ação realizada no campo das drogas tem necessariamente como finalidade última a redução das consequências negativas. Porém, os meios nem sempre são os mesmos. Os defensores da abordagem da RD se reconhecem pelos meios que utilizam.. ‘’ A RD se caracteriza por um tipo de ação na qual o consumo pode se manter: o uso é tolerado’’(Brisson, 1997, p. 66). Se destacam: o grau de indefinição que pode tomar o conceito de RD, servindo, até mesmo, para ações contrárias aos seus fundamentos. É a postura do acolhimento com alta-tolerância que permite diferenciá-la das demais. Uma visão maior relaciona o acolhimento de baixa exigência como a retomada dos direitos de cidadão, incluindo o plano político como o delineador, que inclui a escuta dos usuários. Vemos uma sutil nuance a ser apreciada. Apenas com apoio político é possível estender o tratamento para aqueles que são excluídos. Porém, o plano político não consegue promover mudanças nas intervenções com aqueles que estão em situação de exclusão. Há a necessidade da capacidade em perceber o quanto pode haver flexibilidade no acolhimento e a utilização de recursos para manter algum tipo de aliança com o usuário que não pode ser visto como incapaz de participar das decisões sobre o seu destino. Mais importante do que eliminar as proibições são as condições para restringir a força do preconceito nos diferentes segmentos profissionais que devem lidar com os excluídos. No Québec, a flexibilidade maior entre as diferentes abordagens, atenuou a rigidez imposta aos pacientes. O sentimento de exclusão não é reforçado pela intervenção sofrida e a intervenção terapêutica se preservou deixando de lado alguns princípios básicos utilizados. Entre nós, não se constituiu uma rede capaz de proteger as crianças e adolescentes. Não houve construção coletiva com os diversos atores, não se oferecendo os recursos conceituais para integrar RD ao tratamento e cuidados primarios. A única via foi a politica que, sem espaços para discussões, mostrou-se intolerante, impossibilitando avaliações e ajustes. Totalmente diversa do alcance obtido nos paises com tradição no tratamento nos quais a via politica foi o resultado das lutas sociais contra o proibiconismo, usando várias vertentes e promovendo mudanças. Brisson, P. L'approche de réduction des méfaits: sources, situation, pratiques. Comité permanent de la lutte à la toxicomanie (CPLT). Ministère de la Santé et des Services Sociaux, Québec, 1997. LANDRY, M, Lecavalier, M., “L’approche de réduction des méfaits : Un facteur de changement dans le champ de la reduction’’ DSS, vol.2 N.1, 2003. Pain, J. S. Reforma Sanitária Brasileira: contribuição para a compreensão e crítica, Tese de doutorado. Salvador, 2007.