Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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Visitas domiciliares como espaço de integração ensino-serviço-comunidade: invenção das práticas cotidianas
Rodrigo Carvalho Paulino da Costa, Larissa Beatriz do Carmo Moreira, Adriana Kelly-Santos

Resumo


Caracterização do problema: Com a reformulação das Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Medicina, foi proposta a formação de um egresso com base na realidade social do país, inserindo-o no sistema de saúde vigente (BRASIL, 2001). Desta maneira, o presente trabalho busca construir cenários de formação-integração entre o ensino, o serviço de saúde local e a comunidade assistida consonantes com o projeto pedagógico do curso de Medicina de uma Instituição Federal de Ensino Superior, a qual prevê a inserção precoce deste discente em Unidades de Atenção Primária à Saúde da Estratégia de Saúde da Família (UAPS/ESF). Neste processo, a formulação de espaços de educação permanente (EP) com as Agentes Comunitárias de Saúde (ACS) com foco no exercício das visitas domiciliares (VD) vem a ilustrar essa integração, buscando criar condições para que o egresso desenvolva habilidades técnicas e relacionais, além da capacidade crítico-reflexiva frente à situação de saúde local. Descrição da experiência: Trata-se de uma ação de extensão com interface em pesquisa, com ênfase na EP das ACS, no qual foi discutido o processo de trabalho destas profissionais através da problematização das atividades desenvolvidas por elas, de modo que as intervenções realizadas eram espaço de coletas de dados. Selecionou-se o grupo de ACS devido ao seu papel de mediação entre o serviço de saúde e a comunidade. Ademais, considera-se que as atividades realizadas pelas agentes são espaços privilegiados para a produção de práticas de acolhimento e cuidado a saúde. Para compreensão das práticas comunicativas, desenvolveu-se, semanalmente, a observação participante de 30 visitas domiciliares (VD) realizadas por 9 ACS. A observação participante permite conhecer e compreender a realidade por meio da imersão do pesquisador-observador no contexto investigado. Observar significa descrever a dinâmica estabelecida entre tempo, espaço e os sujeitos nas relações sociais (VÍCTORIA et al, 2000). A observação consiste na atividade de ler e escrever sobre os elementos que molduram o cotidiano das instituições e da vida dos sujeitos, como os afetos, os olhares, os gestos, os silêncios, as palavras e os relacionamentos entre os sujeitos (Kelly-Santos, 2009). Constatou-se que as VD não apresentam padrão, sendo a abordagem comunicativa mais comum a informativa-prescritiva, que reproduz medidas preventivas e de vigilância, com foco em indentificar-monitorar-informar agravos. Os questionamentos mais recorrentes se relacionam à situação de trabalho, à freqüência e ao aproveitamento escolar das crianças e à situação de saúde dos membros da família. Em relação aos agravos, as ACS indagam quanto à quantidade e ao uso correto dos medicamentos, à validade das receitas, ao controle da realização de consultas e exames médicos realizados na unidade e em outros serviços de saúde. Outras ações realizadas incluem: informar sobre a marcação de consultas e exames médicos, sobre a realização de eventos promovidos pela comunidade, divulgação de eventos da unidade, campanhas de vacinação e pesagem do Bolsa Família. Verificou-se que a dificuldade de acesso às famílias de microáreas mais distantes é uma variável que interfere na realização das VD com mais frequência, e muitas vezes, na formação do vínculo estabelecido entre a família e as ACS. Outros problemas de acessibilidade também foram identificados, como o horário de funcionamento e da realização das visitas domiciliares, a dificuldade de mobilidade de alguns usuários, a desarticulação da rede assistencial na referência e contra-referência, a falta de recursos humanos e materiais na UAPS/ESF. Estes são fatores que restringem o acesso a este serviço que é considerado uma das portas de entrada dos usuários ao sistema de saúde. Por fim, a falta de preparo técnico das ACS para orientar sobre cuidados com a saúde e a dificuldade do estabelecimento de vínculo com as famílias também são empecilhos na prática do acolhimento. Efeitos alcançados: No presente projeto, a articulação entre a equipe executora e as ACS possibilitou a problematização do processo de trabalho desses profissionais, o que constitui-se como espaço de EP às ACS e aos alunos. A partir da imersão no cotidiano da UAPS/ESF, os integrantes do projeto tiveram a oportunidade de se aproximar dos marcos teóricos do SUS e aprender, refletir e vivenciar de forma mais contextualizada suas políticas e os seus princípios. A observação das VD permitiu conhecer a realidade local, estabelecer vínculo entre equipe de saúde e integrantes do projeto e, por conseguinte, planejar ações conjuntas. O vínculo construído favoreceu a troca de conhecimento, a criação de um espaço de fala sobre o processo de trabalho, o desenvolvimento de ações intersetoriais e de habilidades comunicativas, além do estímulo à autonomia e ao empoderamento das ACS na relação entre equipe de saúde e comunidade assistida. Recomendações: Sugere-se o uso de metodologias ativas buscando valorizar as demandas da equipe-comunidade, o diálogo e espaço de convivência como elementos do processo de trabalho e formação das ACS. Do mesmo modo, indica-se o uso da técnica da observação participante para a identificação de problemas que permeiam as atividades comunicativas desenvolvidas pelas ACS, bem como para a imersão no cotidiano e o desenvolvimento de atitudes dialógicas e flexíveis frente aos participantes do estudo. Também se indica o investimento de estudos no campo da comunicação e saúde, visto que as VD são espaços de ensino-aprendizagem das práticas comunicativas vigentes nos serviços de saúde e, portanto, representam a oportunidade de discentes, docentes e equipe da UAPS/ESF transformarem a realidade. Referências Bibliográficas: 1 - BAKHTIN M. [Volochinov]. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec; 2006. 2 - BRASIL, ME. Resolução CNE/CES nº4 de 7 de novembro de 2001. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina; seção I, p.38. Brasília: Diário Oficial da União; 2001. 3 - KELLY-SANTOS, A. A palavra & as coisas: a produção e a recepção de materiais educativos sobre a hanseníase. [Tese de Doutorado]. Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, 2009. 4 – MINAYO, M.C. S., 2000. O Desafio do Conhecimento: Pesquisa Qualitativa em Saúde. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: ABRASCO. 5 - VÍCTORIA CG, KANAUTH DR, HASSEN, A MN. Pesquisa qualitativa em saúde. Uma introdução ao tema. Porto Alega: Tomo Editorial; 2000.