Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


Tamanho da fonte: 
Portfólio-dispositivo: sobre formação e processos avaliativos na Residência Multiprofissional em Saúde Mental da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Flávia Fasciotti Macedo Azevedo, Maria Paula Cerqueira Gomes, José Carlos Campos Lima

Resumo


Caracterização do problema A reflexão sobre os processos de avaliação tem acompanhado as mudanças nos processos de ensino aprendizagem no campo da Educação, que por sua vez refletem as transformações da sociedade contemporânea, cujo objetivo é ser capaz de responder as necessidades do mundo dinâmico e globalizado que vivemos hoje. Entre os vários formatos de avaliação tem se destacado, no processo de formação em saúde, o uso do portfólio como um dispositivo inovador que, associado às metodologias ativas de aprendizagem, tem se apresentado como um instrumento capaz de acompanhar o processo de construção do conhecimento pelo aluno. Apresentamos aqui a noção de portfólio, sustentando este como sendo mais do que um instrumento ou um método de avaliação, mas enquanto um conceito operacional conforme descrito por Foucault (2000) e trabalhado por Deleuze (1999). Trata-se de um conceito multilinear, composto por linhas de natureza diferente, que combinam campos de saber, relações de poder e modos de subjetivação. No dispositivo, as linhas seguem direções, traçam processos que estão sempre em desequilíbrio, e que ora se aproximam ora se afastam uma das outras. “Os objetos visíveis, os enunciados formuláveis, as forças em exercício, os sujeitos numa determinada posição, são como que vetores ou tensores.” (Deleuze, 1999). É num contexto complexo de ações e serviços de saúde, demandas e atravessamentos multivariados que se insere o Programa de Residência Multiprofissional do IPUB/UFRJ. Isso exige de nós uma proposta pedagógica e avaliativa que seja capaz de aferir e fazer aparecer essa complexidade de todos, profissionais, pacientes, atores do cuidado, sujeitos humanos. Descrição da experiência. Apresentamos aqui a experiência de avaliação por portfólio dos alunos do curso de Residência multiprofissional em Saúde Mental do IPUB/UFRJ, que se constitui a principal metodologia avaliativa conforme indicado no seu projeto político pedagógico. O portfólio, além de ser uma estratégia avaliativa, sustenta uma proposta pedagógica audaciosa, pois apostamos na sua construção como veículo de produção de conhecimento onde, partindo de situações práticas do fazer cotidiano, solicitamos que o aluno se vincule aos fatos ocorridos e relatados, produzindo uma reflexão crítica e implicada sobre o processo em questão. Esperamos que eles possam ocupar a posição de protagonistas de suas práticas, logo também de seus textos. Essa construção se dá por meio de distintas ferramentas de aprendizagem, que se desenham com formatos híbridos. Construções acadêmicas e estéticas, quais sejam: relatos de práticas das distintas experiências dos alunos em suas ímpares conduções de linhas de cuidado nos cenários de aprendizagem nas quais se inserem no 1º e 2 º ano; coletânea de trabalhos produzidos pelos alunos ao longo dos dois anos de residência, a partir de um processo crítico-reflexivo da sua experiência cotidiana e de forma a proporcionar uma visão ampla do processo de aprendizagem e dos diferentes componentes do seu desenvolvimento cognitivo e afetivo; utilização de outras mídias estéticas-imagéticas-reflexivas como fotos, pinturas, poemas, instalações, representações, das mais variadas naturezas. A construção deste instrumento requer um diálogo constante com o tutor, profissional responsável pelo acompanhamento pedagógico do aluno, e principal orientador nos momentos de pesquisa e estudo teórico. O residente é orientado a buscar diálogo com autores que discutem sobre as temáticas em questão, ampliando conhecimento e solidificando conteúdos. Nesse processo de acompanhamento continuado dos alunos algumas questões se repetem e ganham destaque, novos cenários de prática se desenham, e o aluno vai delimitando interesses e aprofundando suas reflexões práticas teóricas. Efeitos alcançados Refletir sobre a própria prática é uma tarefa nada fácil. Ter como ponto de partida os impasses, as dificuldades e dúvidas, é sustentar a possibilidade de não saber sobre alguma coisa. É importante frisar que só é possível se debruçar e construir conhecimento sobre o que não se sabe, sobre aquilo do qual se tem dúvida. Tomamos a incompletude e falta como motoras da aprendizagem. Da mesma forma, é fundamental construir espaços onde essas dúvidas e impasses iniciais possam aparecer e serem trabalhadas, num constante exercício de pesquisa-ação, onde podemos dizer que as ideias se constroem no formato de espirais de reflexão e ação sucessivas, a partir da prática profissional nos serviços de saúde. (Elliott, 1993). Partindo de um roteiro padrão, cada aluno se sente autorizado para ousar e trabalhar criativamente em cima dos elementos, que atravessados no seu processo de aprendizagem, tenham tido efeitos significativos para a sua formação. Tudo cabe no portfólio, desde que faça sentido para a sua trajetória profissional e pessoal. Os efeitos alcançados são produtos concretos, textos consistentes sobre práticas vividas, transformações na vida das pessoas assistidas, mudanças institucionais inimagináveis, egressos ocupando lugar na rede e trabalhando para a sustentação do SUS. Recomendações É com um misto de encantamento e responsabilidade que ousamos vir a público nesses primeiros anos de funcionamento dessa residência multiprofissional dar o testemunho de que é totalmente possível sustentar e afirmar um projeto de residência como um dispositivo político e técnico transformador de corações e mentes. Isto porque estamos experimentando que é viável e factível sustentar um projeto político pedagógico, sem concessões, que produzam estratégias de mudanças pautadas na educação permanente e na aposta de que é possível construir projetos políticos pedagógicos para cada um dos residentes, singulares, com base nas necessidades pedagógicas-afetivas de cada um. O portfólio como uma experiência singular que pode ser partilhada coletivamente tem se revelado como um dispositivo pedagógico pessoal e intransferível capaz de operar como ferramenta que intervenha no mundo da vida e das pessoas. Referência Bibliográfica ALARCÃO, Isabel. Professores Reflexivos em uma Escola Reflexiva. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2003 (Coleção questões da Nossa Época: 103). 102p. ELLIOTT, J. El cambio educativo desde la investigación-acción. Madri: Morata, 1993. 250p. FREIRE, Madalena (Org.) Observação, Registro, Reflexão: instrumentos metodológicos I. 2ª ed. São Paulo: Espaço Pedagógico. MARCELLO, Fabiana de Amorim. Sobre os modos de produzir sujeitos e práticas na cultura: o conceito de dispositivo em questão. In: Currículo sem Fronteiras, v.9, n.2, pp.226-241, Jul/Dez 2009 ISSN 1645-1384 (online) ww.curriculosemfronteiras.org 226 DELEUZE, G. Que és un dispositivo? In E. Balibar, H. Dreyfus, G. Deleuze et al. Michel Foucault, Filósofo. Barcelona: Gedisa, p. 155-163., 1999. FOUCAULT, M. A Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000. ______. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 2000.