Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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Processos formativos na Residência Integrada Multiprofissional em Saúde Mental Coletiva: a preceptoria de núcleo enquanto dispositivo da Reforma Psiquiátrica
Vera Resende, Vanessa Panozzo, Liciane Costa, Ana Paula Tibulo, Lisiane Rabello, Francilene Rainone

Resumo


No campo da Saúde Mental, as residências integradas configuram-se como importantes espaços de formação, cujo horizonte é a construção do SUS (Sistema Único de Saúde) e da Reforma Psiquiátrica brasileira. Trata-se de uma formação em serviço que se nutre da dinâmica entre o campo (saúde mental coletiva) e os núcleos profissionais que o compõe. O programa de Residência Integrada Multiprofissional em Saúde Mental Coletiva (RIMSMC) compõe-se dos seguintes núcleos: educação física, terapia ocupacional, artes, pedagogia, psicologia, enfermagem e serviço social. A pergunta que iremos desdobrar neste artigo diz respeito às percepções do preceptor de núcleo nesta prática de cuidado ao sofrimento psíquico, que emerge pelo encontro de várias profissões junto ao residente em formação. Segundo o Regimento Interno da RIMSMC, a preceptoria corresponde à função de acompanhamento docente-assistencial, por profissão específica e de acordo com a concepção de especialidade profissional da saúde mental coletiva. É desenvolvida por profissionais com graduação e o mínimo de três anos de experiência na área ou titulação acadêmica ou de residência na especialidade. Exerce, também, atividades de organização do processo de aprendizagem e de orientação técnica aos residentes por profissão. Várias são as possibilidades de trabalho de preceptoria: além das reuniões sistemáticas, são fundamentais ações pedagógicas atrativas e motivadoras para o acompanhamento de núcleo. Dentre as principais ferramentas, destacam-se a gestão compartilhada do espaço, procurando compartilhar decisões sobre o funcionamento do espaço da preceptoria em encontros individuais e coletivos; a escuta qualificada, para entender como a residência faz parte da vida do residente naquele momento (quais questionamentos o trouxeram à residência, como ele se posiciona como trabalhador-estudante, o que o inquieta e o que singulariza seu modo de fazer saúde); a promoção de reflexão sobre o fazer saúde na composição de uma equipe multiprofissional, na busca de um trabalho interdisciplinar e colocando em análise os momentos em que se colocam em evidência as tensões entre campo e núcleo;o uso de bibliografia existente (artigos, livros, reportagens), além de filmes, relacionadas com o núcleo e com questões interdisciplinares e qualificando as ações práticas; a utilização do conceito ampliado de saúde e atenção integral (seguir os princípios do SUS, os princípios éticos, posturas e atitudes adequadas); e, por fim, o uso de recursos virtuais (e-mail e MSN) e presenciais. As preceptorias de núcleo são realizadas em encontros presenciais semanais, com duração de uma hora e trinta minutos. Ocorrem, também, reuniões dos preceptores de núcleo junto com um integrante do colegiado de coordenação para a troca de experiências, articulação e construção coletiva dos trabalhos de preceptoria e avaliações. Segundo o relato e consenso do grupo, o preceptor de núcleo é o profissional que supervisiona, acompanha e orienta tecnicamente o residente no desenvolvimento de suas habilidades e competências de núcleo, propondo colocá-las como ferramentas que qualificam as intervenções sem perder a dimensão da saúde mental coletiva. Ainda ajuda a organizar os processos de aprendizagem, instrumentalizando-o para o trabalho multiprofissional e interdisciplinar, estabelecendo prioridades, propondo inovações, problematizando processo ou resultado, interpretando significados. Pensamos o lugar do preceptor como mediador de um processo de construção do saber, que tem na supervisão de práticas a estratégia principal. Trata-se de acompanhar o residente, com sensibilidade, criatividade e improvisação, possibilitando-lhe construir um saber a partir da singularidade das situações vivenciadas nos serviços. Tal lugar de mediação pode ser figurado pelo termo "entre": entre o núcleo e o campo, entre o singular e o coletivo, entre teoria e prática, entre o lugar de aprendiz e de profissional. Nesse sentido, oferecer ao residente um espaço de sustentação dos efeitos de seus atos, que se fazem desde a posição particular de simultânea inclusão e exterioridade em relação ao processo de trabalho, é também uma atribuição das preceptorias, guardadas as especificidades de cada núcleo profissional . Ao serem propostos espaços multiprofissionais de trabalho educativo, busca-se ainda romper com os especialismos, construindo condições para a invenção de formas inovadoras de cuidado emergentes nas fronteiras entre os saberes e disciplinas. Acrescenta-se, ainda, que tal formação implica a rotação em cenários de práticas diversos (como Centros de Atenção Psicossocial, Residenciais Terapêuticos, Unidades Básicas de Saúde) por tempo limitado, atravessados por contextos políticos muito dinâmicos, o que amplia o conjunto dos desafios aí envolvidos. Abrange, assim, acompanhar o residente de modo que o mesmo possa tirar proveito do lugar de passagem que lhe concerne. São necessários estímulos permanentes para a reflexão e a proposição de alternativas viáveis de ensino e aprendizagem. Os relatos das preceptoras do Programa da RIMSMC trazem uma constatação importante: o processo da preceptoria não é estanque. Trata-se de um processo em exercício em movimento, propenso a diversas mudanças em seu curso. As várias funções e papéis desempenhados no exercício da preceptoria coincide com o que Santos (1997) descreve como invisibilidade da padronização das atividades, realçando a dificuldade de perceber a fronteira entre o trabalho prescrito e o trabalho realizado. A falta de reconhecimento dos limites entre o efetivado e o pré-determinado dificulta que o trabalhador assuma uma relevante ou possível autoria de sua ocupação. Deste modo, cabe a estes profissionais a reinvenção pedagógica e a capacitação constante. Assim, entendemos a preceptoria de núcleo como um dispositivo estratégico, necessário e singular no processo formativo de novos profissionais de Saúde Mental Coletiva, cabendo também, ao preceptor, oferecer ao residente um espaço de sustentação dos efeitos de seus atos, que se fazem desde a posição particular de simultânea inclusão e exterioridade em relação ao processo de trabalho.