Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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Projeto Navegar é preciso, viver não é preciso: experiência de atividade interdisciplinar e intercursos em educação permanente em saúde, com foco na questão da sexualidade e afetividade-imagem corporal, com jovens em risco social, na Enfermagem PUCMINAS
Carmen da Conceição Araujo Maia, Robson Figueiredo Brito, Juliana Carvalho Araújo Leite

Resumo


Desde 2009, a Secretaria de Cultura e Assuntos Comunitários da PUCMINAS criou, na Unidade Coração Eucarístico, o Projeto Primeiro Caminho incluindo jovens em risco social, de 15 a 18 anos, do Programa de Ação Jovem da Cruz Vermelha Brasileira, Minas Gerais, cujo objetivo é o aprendizado pelo trabalho por meio do vínculo no primeiro emprego. Com a formalização contratual, o jovem desenvolve atividades de apoio administrativo, sem prejuízo de seu processo de formação integral como sujeito de direitos. Isto é, este processo deve oportunizar experiências que possibilitem tornar-se um trabalhador com garantias e vistas à sua profissionalização, conforme artigo 227 Constituição Federal 1988 (Brasil, 2008) e o Estatuto da Criança Adolescente. Para assegurar o acompanhamento pleno das atividades e formação pessoal, social, cultural, educacional e profissional, técnicos da SECAC levantaram o perfil dos ingressantes: família numerosa, baixa escolaridade e renda familiar até 1 salário mínimo, que recebe benefícios sociais do Governo Federal, maioria de cor negra e moradores da periferia da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Com essa oportunidade, grande parte deles contribui financeiramente para a manutenção da família. Essas características permitem inferir que esses jovens vivem em situação de vulnerabilidade social, compreendida, por Vignoli (2002) como a situação em que o conjunto de características, recursos e habilidades inerentes a um dado grupo social se revelam insuficientes, inadequados ou difíceis para lidar com o sistema de oportunidades oferecido pela sociedade, de forma a ascender a maiores níveis de bem-estar ou diminuir probabilidades de deteriorização das condições de vida de atores sociais vulneráveis. Em 2009, o curso de Enfermagem foi convidado a participar desenvolvendo atividades relativas à saúde e um grupo de professores elaborou o Projeto Navegar é Preciso, Viver não é Preciso. O nome faz alusão à metáfora de Fernando Pessoa, visto que a navegação utiliza instrumentos de precisão o que permite prever a direção para a chegada, enquanto o viver, “como expressão da consciência e aventura humanas, de nossos afetos e valores, dos mistérios que nos marcam, não é preciso nem quantificável” (Porto, 2008: 144), principalmente tratando-se de jovens e em situação de risco. Este contexto, que revela a complexidade inerente à vida exige dos profissionais de saúde, e especialmente de Enfermagem, cada vez mais preparo e domínio de tecnologias[1] numa abordagem eminentemente coletiva e transdisciplinar. O curso de Enfermagem tem como concepções a busca pela valorização de todas as experiências e atividades de aprendizagem que proporcionem o desenvolvimento do aluno incluindo as questões éticas, políticas e sociais, sem se ater apenas aos aspectos técnicos instrumentais da profissão; a educação centrada na formação integral da pessoa, o exercício da cidadania e reconhecimento do outro. A partir de 2010 ganha o formato de Projeto de Intervenção e apresenta-se como estratégia de incentivo à interdisciplinaridade e articulação das disciplinas Saúde Ambiental (1º período); Metodologia da Pesquisa II e Cuidar em Saúde Coletiva (5º período) num movimento horizontal (conteúdos do mesmo período) e vertical (períodos distintos); possibilitando a continuidade do processo de ensino aprendizagem no tempo. Também propiciou a articulação inter cursos com a inclusão dos Cursos de Filosofia e Fisioterapia no 2º/2011. Os objetivos do projeto: Compreender território como espaço - lugar de relações, decorrentes das singulares condições de vida de sua população; Refletir sobre a relação do território e a determinação histórica e social do processo saúde-doença; Construir atividades de aprendizagem baseadas em problemas em saúde e em Enfermagem e outras profissões de saúde e educação como Fisioterapia e Filosofia; Desenvolver práticas educativas e de comunicação voltadas para a promoção de qualidade de vida; Compreender a autonomia como categoria central da promoção da saúde; Como percurso metodológico optou-se por ação educativa pautada na reflexão sobre o seu território de moradia como espaço vivo. Opera-se estas discussões em Rodas de Conversa: a primeira para acolhimento dos jovens, quando estes são estimulados a elencarem temas relevantes do cotidiano relativos à saúde, ambiente e qualidade de vida. Estes temas são votados e estruturados pelos professores e alunos envolvidos para serem tratados nas discussões subsequentes de tal forma que todos passam a ser sujeitos da ação. Os temas recorrentes a cada semestre são Sexualidade e Afetividade, questões de destaque no universo da vida juvenil. O tema da Afetividade surgiu vinculado às relações familiares, do trabalho, das amizades e da vida amorosa. Para a preparação dos temas, os alunos realizam levantamento bibliográfico e estudo específico, juntamente com os professores e um monitor vinculado ao Projeto. Ao final da oficina foi trabalhada a logomarca do projeto para reforçar o sentido do viver sem precisão: a bússola dentro do coração - a direcionalidade está dentro de nós! Trilhar caminhos está na dependência de todas as oportunidades que alcançamos. Não decorre apenas das nossas escolhas, mas das condições determinadas e construídas socialmente. Considera-se que o projeto, ao integrar cursos de áreas afins no desenvolvimento de atividades de ensino, pesquisa, extensão, inserindo os estudantes nos diversos cenários de prática, contribui de modo significativo para a formação de profissionais socialmente engajados e articulados com os problemas de saúde da população em seus territórios. Entende-se que a metodologia baseada em problemas e ou situações reais, com uso de variadas fontes de informação para a produção de conhecimento, se apresenta como novos arranjos educativos e pedagógicos que permitem incorporar novas tecnologias do cuidado em saúde, as quais são requeridas e desejadas pelo sistema de saúde brasileiro desde os anos 90. A repercussão do "Navegar é preciso...", com sua experiência de atividade interdisciplinar e intercursos em educação permanente em saúde, junto a adolescentes em risco social, pode ser considerada como uma exitosa rede Ensino - Trabalho - Cidadania, tríade que na visão de Pinheiro, Ceccim e Mattos (2006), deixa marcas ao ensinar integralidade no SUS. O discurso dos alunos e da monitora do projeto corrobora com os autores ao dizer que: “(...) nos aproximamos da realidade social vivida pelos jovens da Cruz Vermelha, aprendendo respeitar as diferenças de cada pessoa envolvida no projeto, podendo entender que esses adolescentes, mesmo em risco social, tem muito a contribuir conosco em nossa futura profissão e também pudemos entender melhor sua linguagem para fazer uma comunicação em saúde que tivesse ressonância.” O adolescente trabalhador fala que "o que posso afirmar sobre essa oficina é que há uma troca de experiência entre nós e os estudantes da PUCMINAS que ficam mais próximos e nos falam de assuntos que realmente podem modificar nossa vida. Saio daqui mais confiante e posso fazer uma rede de amizade. Já vou adicionar um monte de gente no facebook!”. Neste sentido, é recomendável pensar táticas e estratégias de constituição de redes de serviços que permitam desenvolver praticas educativas mais sensíveis aos contextos de vida nos territórios nos quais as instituições de ensino se inserem, capazes de formar profissionais imbuídos do cuidado em saúde, respeitando a pluralidade e singularidade dos processos de vida. Afinal, "Navegar é preciso: viver não é preciso". Referências bibliográficasVignoli,J.R. Vulnerabilidade : literatura e conceito.IN: Abramovay , M. et al. , Brasília: UNESCO, BID, 2002: 17-28.PORTO, M.F.S. Entre a Prevenção e a Precaução: riscos complexos e incertos e as bases de uma nova ciência da sustentabilidade. In: BARCELOS, C. (Org.) Território, Ambiente e Saúde. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2008. MERHY, E.E. Em busca do tempo perdido; a micropolítica do trabalho vivo em saúde. In: MERHY, E.E.; ONOCKO, H. Agir em saúde: um desafio para o público. São Paulo: Hucitec. 1997. p. 71-112.Pinheiro R, Ceccim RB, Mattos RA (orgs.). Ensino - Trabalho - Cidadania: novas marcas ao ensinar integralidade no SUS. Rio de Janeiro: IMS/UERJ: CEPESQ: ABRASCO, 2006. 156P. [1] Leve, refere-se às tecnologias de relação do tipo produção de vínculos, responsabilização, escutas, acolhimento, etc. Leve-dura, os saberes bem estruturados, tais como a clínica, a epidemiologia, etc. Dura, os equipamentos do tipo máquinas, as normas, as estruturas organizacionais (MERHY, et al.1997)