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REDUÇÃO DE DANOS E A FORMAÇÃO DE GENERALISTAS: RASCUNHOS DE UMA EXPERIMENTAÇÃO
Resumo
Caracterização do problema: A formação médica se destaca pelo intenso jogo de forças que direcionam o processo de ensino-aprendizagem. Aglutinam-se a perspectiva de "revisões de modelos", a fragmentação do ensino e a tecnificação da prática médica, linhas que expressam o grande vínculo entre a escola médica e seus interferentes sociais. Tendo como analisador dos processos de mudança curricular o eixo do cuidado, o projeto pretende apostar na prática da Redução de Danos (RD), sintetizada numa clínica mais sensível, potente e cuidadora, como forma de se implementar o perfil generalista (PG), entendido como uma prática aumentativa de potência, produtora de vida. Neste projeto, RD e a discussão do PG se enovelam no caminhar pela “Comunidade Travessia”, território-experiência em uma comunidade “de invasão” na periferia de Campinas – SP, que dá vida as inquietações da clínica cotidiana. Descrição da experiência: Como metodologia, tem-se a interpolação de várias ferramentas metodológicas: 1) Revisão Bibliográfica dos tópicos teóricos na busca de maior entendimento do estado da arte acerca da formação de médicos generalistas e da prática da RD e suas potencialidades; 2) Atividades de campo, entendida como o acompanhamento in locus ou não de atividades desenvolvidas ou direcionadas à “Comunidade Travessia”, com o intuito de observar a prática da RD como potencial promotora de Redes, construtora de vínculo e da abertura do “diálogo das negociações” entre os serviços e os usuários. A inserção no campo, em seus múltiplos estratos (internos ou locais e exteriores – reuniões de equipe, reuniões do grupo PET-SAÚDE) contribuíram para a produção de dados e observância da efetividade das novas tentativas de ampliar a discussão da “Clínica no limite, ou o limite da Clínica”. Para a consolidação deste eixo do desenho da pesquisa, contou-se com a participação dos profissionais (preceptores ou não) do PET-SAÚDE, de pós-graduandos do Departamento de Saúde Coletiva (DSC-FCM-UNICAMP) e de graduandos dos cursos da área da saúde (medicina, enfermagem e fonoaudiologia); 3) Construção e leitura de Diários de Campo dos atores da pesquisa (acadêmicos e trabalhadores da área da saúde), cuja técnica é a pesquisa-intervenção, que encara o processo de produção do conhecimento de forma implicada e transformadora da realidade, baseada na Prática Cartográfica, destinada a traçar mapas processuais que complexificam os territórios existenciais estudados, ao entender que o processo de pesquisa consiste na construção de um caminhar pelo território. Efeitos alcançados: A superação do desconhecimento da prática da RD ocorrerá pela promoção de uma educação permanente em saúde, pela discussão das práticas efetivamente produzidas no trabalho vivo, na reflexão dos vínculos estabelecidos e por uma espécie de trabalho "auto-etnográfico" que vê no cuidado de si, a potencialidade de se cuidar melhor dos outros, ampliando a visão das diversas subjetividades (subjetividade-drogadita, pai, trabalhador) que vivificam a experiência humana. A criação de espaços favoráveis a esta imersão, pela apresentação de aspectos teóricos e sua constante posição dialógica, ética e processual com a realidade, permite tornar conceitos antes hegemonizados no campo da saúde coletiva como fontes ativas e observáveis na vitalidade das comunidades assistidas. Nota-se que o PG deseja se colocar em um patamar de complementaridade à prática dos médicos especialistas, a fim de se construir uma linha de cuidado em saúde. O PG ainda é muito arraigada a visão biológica, mesmo esta prática se desenvolvendo em um território que aponta a fragilidade desta visão. Recomendações: A prática da RD melhora a construção da Rede de saúde por apostar numa clínica mais potente, com menos preconceitos e metas a priori. A RD promove um olhar menos averso às linhas de fuga e contribui para o PG, em que reduzir é ampliar e estabelecer conexões, melhorar diálogos entre as comunidades e a Rede de atenção à saúde. Surge cooperação biopolítica ao se criar redes afetivas, conexões que ampliam os territórios cooperativos numa produção de território comum. Nota-se que a implicação de trabalhadores, estudantes e docentes que militam no trabalho vivo pelo fortalecimento da saúde pública brasileira constitui meio fecundo para novas pesquisas na busca de caminhos de superação da Clínica já caduca pela obsolescência de suas práticas embasadas em relações frágeis de causa e efeito. Este projeto tem conscientemente o desejo de não se centrar esta experiência a um local desligado da realidade, ou mesmo, acreditar que os resultados obtidos são limitados as especificidades desta pequena parte representativa do território. Acredita-se que as intensidades vividas neste projeto ultrapassam este ponto e sirvam de auxílio para a produção de novas rotas, que tenham em si a potencialidade de fomentar Redes cuidadoras, interligando os usuários aos diversos dispositivos que sejam necessários para ampliar e produzir formas vida. Para tanto, os autores reforçam a necessidade de se viver o cotidiano do trabalho e as possibilidades que ele oferece para a produção de saúde. Além disso, as escolas médicas e os serviços de saúde precisam melhorar suas relações dialógicas, tecendo ponderações entre disputas e superando modos repetitivos e impositivos frente a apostas fugidias e arriscadas, como a presença mais atuante dos serviços na construção curricular. Partir-se de uma escuta atenta dos usuários e de suas demandas seja um bom divisor comum para manter pautas entre a Academia e os Serviços de Saúde. Finalmente, este trabalho visa capilarizar discussões sobre os temas já expostos para que a superação de modelos já pouco eficiências no cuidado em saúde deem espaço a capacidade inventiva e criativa dos profissionais que inevitavelmente tornam o cuidado em saúde possível. Mais do que respostas, ou verdades, este projeto persegue uma atitude frente a produção da saúde: a aposta em um modelo de promover saúde que depende de indivíduos etica e politicamente envolvidos com as vidas que os cercam, inquietamente invadidos de um olhar generalista, que não porta uma conotação identitária, pois independe do dominio de um conhecimento específico, mas vê o indivíduo em suas múltiplas subjetividades e tenta, nesta multiplicidade, estabelecer uma relação positiva, potente, cuidadora e humana. Assim, a prática generalista não vê seu berço na oposição ao trabalho do especialista, mas como um divisor comum entre todo e qualquer profissional da área da saúde, visto que a visão generalista nada mais representaria do que a potencialidade de gerar cuidado em um ato clínico-terapêutico que aumentaria a potência de vida do usuário em foco e do seu “duplo”: o trabalhador implicado. Busca-se no encontro do outro a possibilidade de um “eu-outro”, para a travessia do sertão da vida.