Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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Trabalho (em) comum: pensamentos acerca da formação
Viviane Maximino, Samira Lima da Costa, Mauricio Lourençao Garcia, Alexandre Henz

Resumo


ApresentaçãoO projeto político pedagógico da Universidade Federal de São Paulo, Baixada Santista organiza a formação através de eixos comuns e específicos, oferecendo aos alunos e docentes Educação Interprofissional. Um dos eixos comuns, denominado “Eixo Trabalho em Saúde - TS” caracteriza-se pela oferta de módulos do primeiro ao terceiro ano dos cursos de Psicologia, Terapia Ocupacional, Fisioterapia, Nutrição, Educação Física e Serviço Social. Um dos objetivos deste eixo é possibilitar experimentações de conceitos-tecnologias, permitindo a composição formas de pensar, sentir e fazer comuns aos alunos.Parte-se de uma escuta que tira do centro o poder da palavra profissional e pode levar à porosidade dos vários signos silenciosos produzidos nos encontros abrindo espaços sutis de implicação ética e pensamento clínico – exercícios para as decomposições e composições do trabalho em equipe. Há uma aposta afirmativa e crítica aos especialismos e saberes disciplinares.A crítica aos especialismos e disciplinamentos do saber é uma aposta que deve ser constantemente feita. Mas como problematizar essa marca em nós, em nossa formação? Talvez buscando desnaturalizar as instituições, iniciando pela análise daquelas que são reificadas por nós mesmos, nossas práticas, saberes e lugares que ocupamos.O Eixo TS organiza-se em atividades que reúnem estudantes e professores em equipes com dinâmica interprofissional, a partir da percepção das necessidades de cuidado de indivíduos e populações. Enfrenta os desafios da formação contemporânea do trabalhador da saúde: o exercício da interdisciplinaridade; do cuidado integral, da inserção no território, entre outros.Este resumo traz parte dos resultados de pesquisa que verificou os efeitos dessa proposta na formação, por meio de grupos focais com alunos da primeira turma do campus e com docentes, entrevistas com coordenadores dos eixos comuns e específicos, com direção do campus e com profissionais dos serviços onde as praticas foram desenvolvidas. Os resultados identificaram temáticas, entre elas “a relação entre saber comum e especifico na formação interprofissional”.Trabalho entreprofissionalRessalta-se que o eixo TS investe na construção de interprofissionalidade distinta das concepções tradicionais da Educação Interprofissional. Esta concepção apóia-se na lógica de que o trabalho entre as diferentes profissões produz debates e ações mais eficientes, potencializadas pelos diversos saberes e identidades profissionais. A constituição de campos de saberes específicos é valorizada, bem como as certezas e expertise das áreas profissionais.No eixo TS, a formação dos alunos e professores tensiona essa chave tradicional, inventando proposições que favorecem os encontros não apenas de saberes e técnicas, mas de implicações e políticas de formação. Os diversos saberes profissionais têm lugar nesta proposta, mas não são necessariamente centrais: são valorizados também os saberes engendrados partir das reflexões em equipe; os saberes produzidos fora dos muros da academia; as invenções coletivas produzidas nas aulas, em campo e nas supervisões. Pensamentos produzidos pelo coletivo a partir daquilo que é constituído nos interstícios, entreprofissões. Concomitante às rupturas de fronteiras do contemporâneo e da lógica das unidades estáveis, há produção de rígidez que emerge na rejeição da plurivocidade do trabalho entredisciplinar. O modelo conhecido do trabalho em equipe é aquele em que cada um faz uma parte, e depois “juntam tudo”. Mas nas intervenções em equipe que estimulamos, o “tecer juntos” a ação, é constituído por um bricolage, por um aproveitamento de "coisas usadas" (nas áreas profissionais). Em algumas intervenções, podemos enxertar, cortar, colar e estabelecer novas conexões.“...aluna da nutrição achou interessante propor à senhora que estava acompanhando...um diário alimentar, instrumento da sua área. Compartilhando com a colega da psicologia, inventam um novo instrumental: o “diário afetivoalimentar”. Não se trata apenas de podermos desviar "múltiplas coisas" dos conjuntos profissionais, mas também de compreender que as próprias áreas profissionais são colchas de retalhos instigantes para si mesmas e para as outras, máquinas que engrenam multiplamente.Outro movimento entreprofissional, diz respeito ao sensível e aos processos de aprendizagem. Exige-se disponibilidade, não só para as formas acabadas e tecnicistas, mas especialmente para as forças do coletivo, que produzem outros modos mais desubjetivados de pensar, sentir e colaborar. “... olha, tem um fisio, tem um TO, um psico, um da educa e um nutri, mas que o trabalho deles é conjunto...” O trabalho em equipes interprofissionais, para que ultrapasse a dimensão moral, asséptica e prescritiva, pede uma experimentação freqüente sendo necessário investimento na constituição de equipes e no enfrentamento dos desafios da ação (em) comum. “... a gente fez uma experiência.. fez a linha da vida com ela... Como ela era analfabeta a gente relatou em figuras, ... ela abria e via o livro, ela chorava. ... Então essa troca,. de recursos de outros cursos ... foi muito emocionante.. sabe? Porque se eu tivesse talvez a formação tradicional...eu nunca pensaria em algo assim, .. acho que abre muito o nosso olhar”.A expectativa de harmonização entre as profissões, “convergência de linguagens e saberes”, cede lugar a um pluralismo e agenciamento de múltiplos encontros, pela negociação de mundos, experiência do conflito, perspectiva do “avanço” para aquém e além das fronteiras profissionais.Entretanto, os atos exclusivos, identificados com determinada técnica ou protocolos parecem ser bastião da certeza clínica e do pertencimento profissional. O saber técnico emerge como diferenciação entre específico e comum, funcionando como anteparo de proteção dos territórios das profissões.“.... a nossa insegurança era justamente tentar também aliar algo de nutrição,...., ao mesmo tempo, a gente... absorveu tanto essa questão de escutar a pessoa, a gente ficava inseguro. Será que eu vou conseguir ser uma nutricionista assim?... bem específico, como que vai ser?” O específico aparece separado do comum. Mas poderíamos pensar o comum como uma espécie de “fundo de todo mundo”, um reservatório de experimentações, virtualidades, produção de saberes, poderes, técnicas e potências que são de qualquer um e de todos (Agamben, 1993, p. 11), reservatório comum, que foi “loteado e privatizado” produzindo as áreas profissionais (Figueiredo, 1994, p.131).Considerações continuadasA aposta do eixo TS não está atrelada nem à ideia de homogenização de conteúdos nem à idéia do “entre amigos privados” para o trabalho em equipe. Trata-se de produção conjunta que acontece no encontro, na troca de saberes, afetos, perceptos e na construção de um espaço que é agenciado a cada vez. Ética tanto do trabalho em equipe quanto do cuidado em saúde. Trata-se também do trabalho pedagógico e da condução e organização do eixo TS.A articulação entre os estudantes e professores das diferentes profissões se produz em vetores ético-formativos e políticos do eixo T.S. O trabalho em equipe e a formação interdisciplinar e transdisciplinar podem favorecer esses vetores quando entendemos as composições a partir da perspectiva que aqui chamamos de entreprofissional, desertando a pressa, o produtivismo, a concorrência, a previsibilidade e os especialismos. Para se descolar destes traços hegemônicos, interessa exercitar, nas salas de aula e em campo, pequenas táticas não-reificadoras, exercícios de invenção, de paciência, de lentidão, de gratuidade, de atenção, de angústia aceita, de limites permitidos, de dúvida, enfim, exercícios de resistência e acolhimento (em) comum.BibliografiaAGAMBEN, G. A comunidade que vem. Editorial Presença, Lisboa, 1993. P.66FIGUEIREDO, L.C. A gestação do espaço psicológico no século XIX. Liberalismo, romantismo e regime disciplinar. In: A invenção do psicológico – quatro séculos de subjetivação. São Paulo, Editora Escuta, 1994. p.131