Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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A informação e a comunicação na assistência a pacientes com câncer de cabeça e pescoço: relato de uma experiência multiprofissional.
Fabiana Felix Ribeiro, Izaura Maria Pereira Brandão, Lindalva Roberta Lopes, Maria Elísia da Silva, Maria da Penha da Silva Lessa, Maria da Conceição Moreira, Ana Angélica de Souza Freitas

Resumo


Caracterização do problema: Este relato tem como objetivo traçar algumas reflexões sobre uma experiência multiprofissional numa enfermaria cirúrgica de cabeça e pescoço localizada no HCI / INCA no Rio de Janeiro – RJ. Dentre os fatores externos, o tabagismo e o alcoolismo podem ser associados ao câncer de cabeça e pescoço e trazem consigo muitas vezes, histórias familiares ligadas ao uso dessas substâncias e que acabam contribuindo para a alteração das relações sociais e familiares gerando a fragilidade de vínculos, adoecimentos de membros da família, mortes precoces, o desemprego e até mesmo o isolamento social. Ao mesmo tempo a percepção de alguns profissionais de que a presença de acompanhantes no espaço da internação hospitalar, fora do que está previsto em lei, dificulta o trabalho em saúde acaba por contribuir para o afastamento ou rompimento de vínculos, já frágeis, do paciente com suas redes sociais de apoio, tão importante no processo de sua recuperação e reinserção social.Descrição da experiência: Numa tentativa de traçar novas formas de comunicação entre pacientes, familiares e profissionais aplicamos algumas metodologias para estimular o diálogo, tais como: reuniões informais com a equipe, a construção de um banco de artigos (saberes diversos) e a elaboração em equipe de estratégias para maior aproximação entre pacientes, familiares e profissionais (grupos de educação em saúde e a construção de protocolo para ampliar gradativamente a presença e a participação dos acompanhantes na clínica), de modo que todos os envolvidos pudessem participar mais ativamente do processo de assistência e cuidado ao paciente. A situação de encontro para onde todos convergiam estava centrado no momento de registro das atividades profissionais em prontuário, realizado no posto de enfermagem. Ali, entre uma conversa e outra fomos deixando emergir as questões presentes nas nossas relações.A dificuldade comunicativa existente entre profissionais numa equipe de saúde está associada, muitas vezes, as diferenças de formações profissionais e ao modelo ainda prevalente na saúde pública voltado para a assistência individual e curativa dividido por especialidades que contribui para acentuar a dificuldade de comunicação e da compreensão ampliada acerca das questões, sobretudo as questões sociais, presentes no cotidiano da clínica. Ao mesmo tempo, estas questões se refletem na assistência, mais diretamente na comunicação entre profissionais e usuários.“A clínica além do atendimento individual deve incorporar uma análise adequada das circunstâncias sociais da vida e da convivência com fatores determinantes e condicionantes do processo saúde-doença.” (Carvalho e Ceccim, 2009)Ou seja, a clínica deve ser ao mesmo tempo um campo de intervenção profissional interdisciplinar e um campo de produção de conhecimento rico, deve ser pensado como um espaço de educação permanente das equipes. Nesse sentido, precisávamos realizar um exercício no sentido de ampliar a visão sobre a clínica trazendo algumas questões para discussão.A partir das discussões travadas nesses encontros com profissionais, com foco nas contribuições do campo da saúde coletiva, surgiu a idéia de elaboração de um banco de artigos, onde os temas surgidos nas rodas de conversa pudessem ser compartilhados a partir da área de conhecimento de cada profissional, muitos se sentiram estimulados a pesquisar e trazer suas contribuições. Nesse aspecto conseguimos relativizar nossos olhares sobre, por exemplo, um tema bastante recorrente nas nossas conversas: a questão da família brasileira e os impactos sofridos pela mesma devido as transformações culturais, sociais e econômicas e a precarização das políticas públicas.Pensando nisso a equipe foi elaborando a seguinte questão: as famílias abandonam os seus pacientes por muitos motivos: medo, dificuldades financeiras e fragilidade de vínculos. Nesse sentido o acolhimento se dirige para também compreender as redes sociais de apoio ao paciente, como co-responsáveis e parceiras no processo de assistência. Outra metodologia pensada pela equipe foi a organização de um protocolo de modo que todos os usuários (não incluídos nas legislações específicas que tratam do direito a acompanhante em unidade de saúde no momento da internação) cujas cirurgias consideradas grandes ou que implicassem em uso de dispositivos especiais, como a traqueostomia e a sonda naso-gástrica, permanecessem com acompanhante em enfermaria, de modo a garantir novas formas de comunicação e de troca entre redes sociais de apoio, os serviço de saúde e profissionais. Aos poucos o processo assistencial dava sinais de mudança: Ficamos mais próximos para resolver as questões e desafios diários, não éramos mais adversários e sim parceiros, trabalhando com um objetivo comum, independente de nossas formações e bagagem pessoal. O acolhimento ao usuário adquiriu um novo significado para o serviço, antes esse acolhimento era limitado ás zonas de conforto dos profissionais e ao discurso institucional, e gradativamente passa-se a atribuir essa importância na sua integralidade, inclusive para que os fluxos de trabalho pudessem se reorganizar de acordo com as reais necessidades e demandas dos usuários. Conseqüentemente, os fluxos antes emperrados, começaram a fluir, não haviam mais leitos ocupados por usuários de alta, cuja família não os levava para casa e as cirurgias podiam acontecer de acordo com o planejado, otimizando o serviço e o atendimento. Para FURTADO (2007) “A interdisciplinaridade assume grande importância na medida em que identifica e nomeia uma mediação possível entre saberes e competências e garante a convivência criativa com as diferenças”.Por fim, foram criados dois grupos: o grupo de acompanhantes e o grupo de orientações sobre o cuidado. Foram construídos bonecos que utilizavam todos os dispositivos, de modo que o trabalho coletivo com grupos de usuários pudesse também se constituir como mais uma ferramenta para auxiliar a desmistificar o processo de cuidado, envolvendo os familiares, rede de apoio, aproximando todos em torno desse objetivo de melhoria das relações e da assistência ao usuário. Todos manuseiam os bonecos e expressam seus medos e aos poucos vão se sentindo mais confiantes. A escuta e a troca de saberes entre profissionais e usuários se reforça: [...] e o compartilhamento entre diversas formas de saber podem produzir matéria informacional e interação comunicacional para que os diferentes saberes sociais se convertam em cultura, isto é, modos de pensar, sentir e atuar no cotidiano para a transformação da sociedade e o fortalecimento das identidades coletivas e individuais. (MARTELETO e VALLA, 2003, p. 11). Efeitos alcançados: A especificidade do câncer de cabeça e pescoço, traz cotidianamente o desafio do trabalho em saúde, que precisa ser vivido de forma colaborativa, valorizando a dimensão comunicativa imprescindível e a construção de conhecimento, a partir de experiências como esta, entre profissionais e usuários.Desta forma, através do relato, da informação produzida por esta desta experiência no âmbito da comunicação entre profissionais e usuários na enfermaria cirúrgica de cabeça e pescoço, buscamos contribuir, trazendo questões da prática cotidiana no serviço de saúde e tentando situá-las em torno da possibilidade de conquista da integralidade e das transformações por que vem passando a construção do conhecimento na contemporaneidade.Essas propostas tiveram um rebatimento positivo na qualidade e no fluxo de atendimento da clínica, contribuindo para que a experiência dessa equipe fosse replicada em outros espaços da instituição, multiplicando possibilidades de participação e comunicação no compartilhamento de saberes entre população, profissionais e o serviço de saúde. Recomendações: A principal recomendação é a importância da constituição do trabalho em equipe para o trabalho em saúde, enquanto possibilidade de um exercício fundamental na saúde, que é o exercício de olhar para o saber do outro (entre profissionais e entre esses e usuários) e sua contribuição para a construção de uma prática multidisciplinar e multiprofissional. Esse pode ser o caminho para a construção de práticas efetivamente interdisciplinares. Palavras-chave: informação e comunicação em saúde, conhecimento compartilhado, redes sociais Referências bibliográficas: FURTADO, J. P. Equipes de referência: arranjo institucional para potencializar a colaboração entre disciplinas e profissões. Interface – comunicação, saúde, educação, v.1, n. 22, p.239-255, mai / ago 2007. MARTELETO, M. R.; VALLA, V. V. Informação e educação popular: o conhecimento social no campo da saúde. Perspectivas em ciência da informação, n. especial, p 8-21, jul / dez 2003. CARVALHO, Y. M. de; CECCIM, R. B. Formação e educação em saúde: Aprendizados com a saúde coletiva. In: CAMPOS, G. W.S. et al. Tratado de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, Ed. FIOCRUZ, 2009.