Tamanho da fonte:
A informação e a comunicação na assistência a pacientes com câncer de cabeça e pescoço: relato de uma experiência multiprofissional.
Resumo
Caracterização do problema: Este relato tem como objetivo traçar algumas reflexões sobre uma experiência multiprofissional numa enfermaria cirúrgica de cabeça e pescoço localizada no HCI / INCA no Rio de Janeiro – RJ. Dentre os fatores externos, o tabagismo e o alcoolismo podem ser associados ao câncer de cabeça e pescoço e trazem consigo muitas vezes, histórias familiares ligadas ao uso dessas substâncias e que acabam contribuindo para a alteração das relações sociais e familiares gerando a fragilidade de vínculos, adoecimentos de membros da família, mortes precoces, o desemprego e até mesmo o isolamento social. Ao mesmo tempo a percepção de alguns profissionais de que a presença de acompanhantes no espaço da internação hospitalar, fora do que está previsto em lei, dificulta o trabalho em saúde acaba por contribuir para o afastamento ou rompimento de vínculos, já frágeis, do paciente com suas redes sociais de apoio, tão importante no processo de sua recuperação e reinserção social.Descrição da experiência: Numa tentativa de traçar novas formas de comunicação entre pacientes, familiares e profissionais aplicamos algumas metodologias para estimular o diálogo, tais como: reuniões informais com a equipe, a construção de um banco de artigos (saberes diversos) e a elaboração em equipe de estratégias para maior aproximação entre pacientes, familiares e profissionais (grupos de educação em saúde e a construção de protocolo para ampliar gradativamente a presença e a participação dos acompanhantes na clínica), de modo que todos os envolvidos pudessem participar mais ativamente do processo de assistência e cuidado ao paciente. A situação de encontro para onde todos convergiam estava centrado no momento de registro das atividades profissionais em prontuário, realizado no posto de enfermagem. Ali, entre uma conversa e outra fomos deixando emergir as questões presentes nas nossas relações.A dificuldade comunicativa existente entre profissionais numa equipe de saúde está associada, muitas vezes, as diferenças de formações profissionais e ao modelo ainda prevalente na saúde pública voltado para a assistência individual e curativa dividido por especialidades que contribui para acentuar a dificuldade de comunicação e da compreensão ampliada acerca das questões, sobretudo as questões sociais, presentes no cotidiano da clínica. Ao mesmo tempo, estas questões se refletem na assistência, mais diretamente na comunicação entre profissionais e usuários.“A clínica além do atendimento individual deve incorporar uma análise adequada das circunstâncias sociais da vida e da convivência com fatores determinantes e condicionantes do processo saúde-doença.” (Carvalho e Ceccim, 2009)Ou seja, a clínica deve ser ao mesmo tempo um campo de intervenção profissional interdisciplinar e um campo de produção de conhecimento rico, deve ser pensado como um espaço de educação permanente das equipes. Nesse sentido, precisávamos realizar um exercício no sentido de ampliar a visão sobre a clínica trazendo algumas questões para discussão.A partir das discussões travadas nesses encontros com profissionais, com foco nas contribuições do campo da saúde coletiva, surgiu a idéia de elaboração de um banco de artigos, onde os temas surgidos nas rodas de conversa pudessem ser compartilhados a partir da área de conhecimento de cada profissional, muitos se sentiram estimulados a pesquisar e trazer suas contribuições. Nesse aspecto conseguimos relativizar nossos olhares sobre, por exemplo, um tema bastante recorrente nas nossas conversas: a questão da família brasileira e os impactos sofridos pela mesma devido as transformações culturais, sociais e econômicas e a precarização das políticas públicas.Pensando nisso a equipe foi elaborando a seguinte questão: as famílias abandonam os seus pacientes por muitos motivos: medo, dificuldades financeiras e fragilidade de vínculos. Nesse sentido o acolhimento se dirige para também compreender as redes sociais de apoio ao paciente, como co-responsáveis e parceiras no processo de assistência. Outra metodologia pensada pela equipe foi a organização de um protocolo de modo que todos os usuários (não incluídos nas legislações específicas que tratam do direito a acompanhante em unidade de saúde no momento da internação) cujas cirurgias consideradas grandes ou que implicassem em uso de dispositivos especiais, como a traqueostomia e a sonda naso-gástrica, permanecessem com acompanhante em enfermaria, de modo a garantir novas formas de comunicação e de troca entre redes sociais de apoio, os serviço de saúde e profissionais. Aos poucos o processo assistencial dava sinais de mudança: Ficamos mais próximos para resolver as questões e desafios diários, não éramos mais adversários e sim parceiros, trabalhando com um objetivo comum, independente de nossas formações e bagagem pessoal. O acolhimento ao usuário adquiriu um novo significado para o serviço, antes esse acolhimento era limitado ás zonas de conforto dos profissionais e ao discurso institucional, e gradativamente passa-se a atribuir essa importância na sua integralidade, inclusive para que os fluxos de trabalho pudessem se reorganizar de acordo com as reais necessidades e demandas dos usuários. Conseqüentemente, os fluxos antes emperrados, começaram a fluir, não haviam mais leitos ocupados por usuários de alta, cuja família não os levava para casa e as cirurgias podiam acontecer de acordo com o planejado, otimizando o serviço e o atendimento. Para FURTADO (2007) “A interdisciplinaridade assume grande importância na medida em que identifica e nomeia uma mediação possível entre saberes e competências e garante a convivência criativa com as diferenças”.Por fim, foram criados dois grupos: o grupo de acompanhantes e o grupo de orientações sobre o cuidado. Foram construídos bonecos que utilizavam todos os dispositivos, de modo que o trabalho coletivo com grupos de usuários pudesse também se constituir como mais uma ferramenta para auxiliar a desmistificar o processo de cuidado, envolvendo os familiares, rede de apoio, aproximando todos em torno desse objetivo de melhoria das relações e da assistência ao usuário. Todos manuseiam os bonecos e expressam seus medos e aos poucos vão se sentindo mais confiantes. A escuta e a troca de saberes entre profissionais e usuários se reforça: [...] e o compartilhamento entre diversas formas de saber podem produzir matéria informacional e interação comunicacional para que os diferentes saberes sociais se convertam em cultura, isto é, modos de pensar, sentir e atuar no cotidiano para a transformação da sociedade e o fortalecimento das identidades coletivas e individuais. (MARTELETO e VALLA, 2003, p. 11). Efeitos alcançados: A especificidade do câncer de cabeça e pescoço, traz cotidianamente o desafio do trabalho em saúde, que precisa ser vivido de forma colaborativa, valorizando a dimensão comunicativa imprescindível e a construção de conhecimento, a partir de experiências como esta, entre profissionais e usuários.Desta forma, através do relato, da informação produzida por esta desta experiência no âmbito da comunicação entre profissionais e usuários na enfermaria cirúrgica de cabeça e pescoço, buscamos contribuir, trazendo questões da prática cotidiana no serviço de saúde e tentando situá-las em torno da possibilidade de conquista da integralidade e das transformações por que vem passando a construção do conhecimento na contemporaneidade.Essas propostas tiveram um rebatimento positivo na qualidade e no fluxo de atendimento da clínica, contribuindo para que a experiência dessa equipe fosse replicada em outros espaços da instituição, multiplicando possibilidades de participação e comunicação no compartilhamento de saberes entre população, profissionais e o serviço de saúde. Recomendações: A principal recomendação é a importância da constituição do trabalho em equipe para o trabalho em saúde, enquanto possibilidade de um exercício fundamental na saúde, que é o exercício de olhar para o saber do outro (entre profissionais e entre esses e usuários) e sua contribuição para a construção de uma prática multidisciplinar e multiprofissional. Esse pode ser o caminho para a construção de práticas efetivamente interdisciplinares. Palavras-chave: informação e comunicação em saúde, conhecimento compartilhado, redes sociais Referências bibliográficas: FURTADO, J. P. Equipes de referência: arranjo institucional para potencializar a colaboração entre disciplinas e profissões. Interface – comunicação, saúde, educação, v.1, n. 22, p.239-255, mai / ago 2007. MARTELETO, M. R.; VALLA, V. V. Informação e educação popular: o conhecimento social no campo da saúde. Perspectivas em ciência da informação, n. especial, p 8-21, jul / dez 2003. CARVALHO, Y. M. de; CECCIM, R. B. Formação e educação em saúde: Aprendizados com a saúde coletiva. In: CAMPOS, G. W.S. et al. Tratado de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, Ed. FIOCRUZ, 2009.