Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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A música como instrumento promotor de saúde
Gisele Fernandes Pereira, Cléo Lima Mello

Resumo


A Superintendência de Promoção da Saúde da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro (SMSDC-RJ) visando multiplicar esforços para melhorar a saúde e a qualidade de vida da população, idealizou a criação de Espaços Lúdicos dentro das Unidades de Saúde. A primeira Unidade a receber o espaço foi a Clínica de Saúde da Família Zilda Arns no Complexo do Alemão. Nos primeiros atendimentos nesta localidade foi identificada uma série de agravos à saúde das crianças como: baixa autoestima, dificuldades no aprendizado, dificuldade de comunicação, conflitos familiares, problemas psicológicos, crianças em situações de violência e em vulnerabilidade social. Uma das estratégias utilizadas para suprimir, minimizar e prevenir tais problemas foi a introdução da música no Espaço Lúdico, com a formação do Coral Liga dos Cantantes. O coral se formou com dez crianças e na medida em que fazia suas apresentações novas crianças se interessavam pela arte e passavam a fazer parte do grupo. O carinho e o reconhecimento das pessoas ao final das apresentações foram essenciais para que eles se sentissem valorizados ao ponto de querer compartilhar com seus amigos trazendo-os para fazer parte do coral. Atualmente o coral compõe-se de setenta crianças com faixa etária de quatro a quinze anos. Entretanto, introduzir a música na cultura das crianças não foi algo muito fácil, pois apesar de a legislação educacional brasileira reconhecer a importância da música na formação e no desenvolvimento de crianças e jovens, muitas crianças ainda não haviam sido musicalizadas e nunca haviam participado de um coral, além disso, traziam consigo músicas com apologia ao corpo, ao sexo, ao tráfico, culturas violentas e não condizentes à sua infância. Foi necessário fazer com que eles se envolvessem com esta arte de forma lúdica para que se sentissem motivados a participar do grupo e que fossem apresentados a um novo repertório musical. Segundo Nogueira (2003) a música contribui para o desenvolvimento da criança, tanto no aspecto cognitivo, quanto nos aspectos afetivo e social. O indivíduo desenvolve sua cultura de arte, fazendo, conhecendo e apreciando produções artísticas. Este processo irá trabalhar a sua percepção, aprendizagem, imaginação, suas formas de expressão e comunicação. Produzindo trabalhos artísticos e conhecendo formas de executá-lo na sua cultura e em outras, a criança entenderá a sociedade e a diversidade de valores que estimulam seu modo de agir e pensar. Este trabalho tem desenvolvido nas crianças uma educação musical que considera o mundo contemporâneo em suas características e possibilidades culturais. Esta educação musical parte do conhecimento e das experiências que eles trazem de seu cotidiano, de seu meio sociocultural, valorizando seus aspectos positivos e permitindo um trabalho voltado para a humanização. (PCN-ARTE, 1998). Ao longo do ano o grupo se apresentou em diversos eventos importantes como: Encontro Regional Sudeste – Rede Unida, 1ª Semana do Bebê Carioca – UERJ e Aterro do Flamengo; participou de atividades lúdicas dentro da unidade de saúde entre pais e filhos; e fez passeios que envolvia toda a família. O “dia do homem pai” realizado pela equipe do espaço lúdico, possibilitou que as crianças do coral interagissem com seus pais através de brincadeiras e oficinas. Este evento contribuiu para conscientizar os homens da importância do pai no desenvolvimento dos filhos e do cuidado com a sua saúde. As crianças e seus familiares estão tendo a oportunidade de sair da comunidade e visitar lugares da cidade que ainda não conheciam. A apresentação no Aterro do Flamengo permitiu a algumas crianças conhecerem a praia; e o passeio ao espetáculo circense na Quinta da Boa Vista inesquecível para todos, despertou o interesse pela arte, gerou novas possibilidades, descoberta de talentos e um desejo de conhecer o trabalho no circo com mais profundidade. Os encontros do coral permitiram aos profissionais de saúde realizar ações de promoção, prevenção e recuperação da saúde, criando um vínculo maior entre as crianças e esses profissionais, contribuindo para a adesão de toda a família às ações e a eficácia nos resultados. Como exemplo disto pode-se citar a equipe de dentistas da unidade que se reúne com as crianças regularmente para informá-los sobre os cuidados que devem ter com os seus dentes através de palestras com vídeos e ilustrações práticas com material apropriado, bem como as avaliações e os tratamentos feitos quando há necessidade. Desta forma as crianças interagem com os profissionais, entram na fantasia do “Dr. Dentuço” e entendem de forma clara as orientações. Mudanças de comportamento já ocorreram em crianças introvertidas, J.D. e G.S. ambos com 10 anos chegaram acanhados, pouco falantes e com dificuldade de interagir com as outras crianças, após quatro meses participando do coral as mães já relataram melhora no relacionamento interpessoal dos filhos, inclusive na escola. Outro caso interessante é o W.E. também com 10 anos que é criado pela avó e toma remédio controlado para minimizar seu comportamento agressivo. Nos primeiros atendimentos, W.E. relatou que quando crescesse seria limpador de fossa, pois não acreditava ter capacidade de fazer outra coisa. Hoje W.E faz parte do coral e foi apresentado à flauta, este instrumento de sopro encantou o menino de tal forma que agora ele sonha em ser um músico profissional, quer ser um flautista. Observou-se também neste trabalho um aumento pelo interesse à leitura, crianças com idade de nove e dez anos que ainda não sabiam ler estão mostrando bom desempenho e interesse pela leitura durante os ensaios. Os pequenos de quatro a sete anos que ainda estão no processo de aprendizagem da leitura e escrita, fazem questão de acompanhar as músicas com a letra impressa e isso permite que já comecem a identificar as palavras através das músicas. Uma mãe relatou que depois que os filhos gêmeos de quatro anos começaram a participar do coral, percebeu uma melhora na fala deles, pois trocam letras ao pronunciarem algumas palavras. As mães costumam acompanhar as crianças, sempre que possível, tanto nos ensaios quanto nas apresentações. Tornaram-se parceiras deste trabalho, pois acreditam nos resultados positivos que a música pode trazer para as suas vidas e de seus filhos. Elas conhecem o repertório completo do coral e cantam junto nos ensaios. O coral tem proporcionado às crianças e seus familiares uma nova leitura de mundo, fortalecimento da resiliência frente às situações de violência, promoção de vínculos afetivos, conhecimento de outras culturas e reconhecimento de seu espaço dentro da unidade de saúde, que passou a ser vista como um lugar mais acolhedor.