Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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Algumas reflexões sobre a atividade de matriciamento em Saúde Mental das equipes da ESF-Borel
Vera Helena Juliano Pereira, Luiz Eduardo Chazan

Resumo


Caracterização do problema: O apoio matricial representa uma nova forma de integração entre a atenção primaria e a especializada. Desenvolvido originalmente a partir da saúde mental, foi referendado e regulamentado como processo de trabalho fundamental do NASF através da portaria nº 154/08 do Ministério da Saúde. Neste trabalho pretendemos partilhar uma experiência de matriciamento em saúde mental que vem sendo desenvolvida junto às equipes de Estratégia de Saúde da Família do Borel no Rio de Janeiro, por iniciativa da UERJ em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde. A questão do encaminhamento é uma das dificuldades encontradas nesta atividade. Tradicionalmente encaminhar significa “fazer a fila andar”, ou seja, transferir a responsabilidade para outro profissional ou serviço teoricamente mais capacitado ou especializado para a resolução do problema. Esta lógica contudo, não se mostra eficaz quando trabalhamos dentro da perspectiva da saúde como qualidade de vida e não apenas como ausência de doença. Estamos interessados portanto em pensar como se dão os encaminhamentos na nossa prática concreta e cotidiana, utilizando como referência teórico-conceitual as concepções propostas por Gastão Wagner Campos. De acordo com o autor, apoio matricial e equipe de referência são conceitos operacionais capazes de operar mudanças na organização dos serviços e na gestão da prestação de cuidados, objetivando ampliar as possibilidades de realização de uma clínica ampliada e de integração dialógica entre distintas especialidades e profissões. São também uma metodologia de gestão onde a equipe de referência é responsável pelo acompanhamento longitudinal de casos com a construção de vínculo entre profissional e usuário e o apoio matricial além de assegurar uma retaguarda assistencial especializada e compartilhada, objetiva o empoderamento das equipes ampliando sua capacidade de construir respostas. A proposta da ESF é de resolver na própria unidade cerca de 80% das questões de Saúde demandadas pela população adscrita, o que inclui a Saúde Mental. Inclusão óbvia, mas nem sempre obtida. Descrição do problema: Esta atividade de apoio matricial teve início em outubro de 2009, com encontros matriciais mensais realizados por psiquiatras da UERJ e psicólogo do CMS Heitor Beltrão. Nestes encontros temos dois cenários. Aqueles em que se pode desenvolver uma estratégia terapêutica na própria unidade (a maior parte dos casos que necessitam uma abordagem farmacológica e sem demanda de psicoterapia) e aqueles que necessitam de encaminhamentos para a atenção secundária que em sua maioria necessitam psicoterapia. Neste trabalho estamos focando nesta segunda categoria. Estes encontros têm se caracterizado pelo agendamento de pacientes para atendimento psicológico individual, preferencialmente sob forma de consulta conjunta, a partir da demanda da equipe, com algumas solicitações feitas pelos usuários, mas de modo geral, a partir da indicação de médicos, professores, nutricionistas e outros profissionais. Estas consultas resultaram em encaminhamentos para o atendimento psiquiátrico no apoio matricial no PSF ou para CAPS-AD, CAPS-II e Policlínica da UERJ; atendimento psicológico no CMS Heitor Beltrão e na Policlínica Hélio Pelegrino, sugestão de inclusão em atividades culturais e/ou esportivas, e retornos para consultas conjuntas. Em 2011, 37 casos foram registrados e analisados. O absenteísmo é um dos problemas encontrados, ocorrendo principalmente nos reagendamentos. O encaminhamento para serviços especializados também é complexo e não se tem informações sobre a inclusão e adesão no tratamento. Estes dados remetem à reflexão sobre como tem se dado os encaminhamentos para a atenção especializada, tanto no que se refere aos agendamentos para a consulta matricial quanto aos encaminhamentos para os serviços especializados. Verificamos que muitos casos agendados para o matriciamento não passaram por abordagem da equipe, como as solicitações das escolas de avaliação de problemas de comportamento e aprendizagem encaminhados diretamente para o apoio matricial com a justificativa de urgência na avaliação psicológica e por já virem direcionados à atenção especializada. O mesmo acontecia com relação a encaminhamentos de outros profissionais. Em outras situações a ansiedade de membros da equipe produzia e reproduzia a demanda por atendimento, repassando o problema para o especialista. Uma conseqüência possível destes encaminhamentos é o absenteísmo pelo não reconhecimento pelo usuário da necessidade de ajuda profissional ou, se aceita a consulta, não se implica com as condutas e procedimentos recomendados. Qualquer indicação de tratamento é uma questão complexa, que passa pela aceitação do problema e do tratamento proposto demandando, por parte do profissional, um trabalho de convencimento para a adesão ao tratamento e pela construção do vínculo entre profissional e usuário, o que raramente se estabelece numa consulta pontual. Isto requer tempo e continuidade. Entendemos que estas questões fazem parte da atividade matricial de trabalho com a equipe, organizando fluxos de trabalho, investindo nas reuniões de equipe e nas discussões coletivas de casos com o objetivo de ampliar a capacidade e recursos da equipe para lidar com estas situações. Contudo, a agenda lotada “sufoca” o matriciador não deixando tempo disponível para as reuniões de equipe. Estas questões e fatores como a rotatividade de profissionais da ESF pela instabilidade e precarização dos vínculos empregatícios; a demanda excessiva; a não capacitação da equipe na atividade de matriciamento e a sobreposição de outras atividades no momento do matriciamento resultam na manutenção da estratégia de consulta clínica, mais próxima do modelo ambulatorial. Durante o desenvolvimento desta atividade foi bastante freqüente o trabalho com equipes desfalcadas devido a demissões, trocas e adoecimentos dos profissionais. Fica a questão: diante de tanta descontinuidade como investir na construção de vínculos? Quanto ao profissional matriciador uma dificuldade encontrada para desenvolver mais plenamente as possibilidades de trabalho como as atividades coletivas e intersetoriais foi a carga horária disponível para a atividade limitada aos encontros mensais, comprometendo a disponibilidade para a realização de agendamentos com a rede de apoio, para colocar-se como profissional de referência para a equipe em situações que demandem intervenção imediata e para a sistematização e planejamento da atividade. Efeitos alcançados: Tendo em vista as questões indicadas acima, o apoio matricial tem desenvolvido principalmente a estratégia de consulta clínica, estando mais próximo do modelo ambulatorial. Como conseqüência, as estratégias de cuidado coletivas, a intersetorialidade e a discussão das questões mais gerais de qualidade de vida da comunidade ainda não estão efetivamente implementadas. Manter a regularidade dos encontros mensais, ainda que desfalcados, tem contribuído para criar uma maior familiaridade entre o profissional matriciador e os membros das equipes, possibilitando alguma organização dos fluxos de agendamento e algumas experiências satisfatórias de acompanhamento de casos ainda que estas experiências não resultem, necessariamente em sucessos. Propostas: promover reuniões regulares entre matriciadores (já em andamento); limitar o agendamento de casos, disponibilizando um horário para a reunião de equipe (em andamento); incorporar os agentes de saúde na discussão de casos (em andamento); desenvolver um sistema de comunicação para o acompanhamento dos encaminhamentos; ampliar a carga horária do profissional matriciador para o desenvolvimento da atividade (em andamento); sistematizar dados dos atendimentos para o planejamento das ações e ampliar soluções na própria unidade, como grupos, por exemplo, para atender a altíssima demanda de psicoterapia. Necessidade que podemos resumir como espaço seguro de reflexão e suporte.