Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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Análise da questão social durante a internação de recém nascidos - desafios para um trabalho interdisciplinar.
Simone Passos

Resumo


Análise da questão social durante a internação de recém nascidos - desafios para um trabalho interdisciplinar.I – Caracterização do problemaEste ensaio tem como objetivo trazer a lume a importância da atuação da equipe multidisciplinar da unidade neonatal do Hospital Maternidade Carmela Dutra, no Município do Rio de Janeiro. De acordo com o crescimento da vulnerabilidade das famílias com bebês internados na unidade neonatal, o Serviço Social tem sido percebido pelas outras categorias como profissão de importante contribuição no acompanhamento dos casos sociais e, por conseguinte, tem sido convocado a compor com maior frequência a equipe multiprofissional. Os casos sociais apresentados como risco para o bebê tem se fundamentado na violência vestida com a roupagem da negligência, abandono e pobreza extrema. Esse contexto se coloca como desafio para toda a equipe que lida no cotidiano das internações de bebês.A questão que se coloca nos faz refletir sobre dois aspectos. O primeiro é pensar nos riscos como aspecto presente na vida de bebês e como se apresentam através da negligência, do abandono, da violência e da pobreza extrema. Esses fatores têm sido um dos maiores motivos de solicitação de intervenção do assistente social, pois a equipe percebe que o problema ultrapassa o conteúdo de cuidados com a recuperação da saúde do bebê.E, o segundo aspecto é pensar na atuação do assistente social em equipe multiprofissional como profissional capacitado a decifrar a realidade social e nela intervir. O assistente social tem se apropriado da defesa e da garantia dos direitos da criança e do adolescente e é quem aciona os recursos de proteção à infância e quem interage com os setores legítimos de proteção, tais como, os Conselhos Tutelares, os Juizados da Infância e da Adolescência e o Ministério Público. A habilidade de lidar com a família, com os meios legais de proteção tem feito desse profissional um instrumento relevante de atuação junto com outras categorias da mesma equipe. Esses dois pontos se tornam importantes para perceber que novos desafios se colocam para a equipe – perceber que a violência tem se expressado com maior frequência nas internações e se dar a importância de um agir multiprofissional. II – Descrição da experiênciaNa análise dos atendimentos realizados com famílias de bebês internados, percebe-se com clareza que a pobreza, a violência, o desemprego, a drogadição dos pais têm sido apresentados como resultado mais perverso da tensão entre a produção das riquezas socialmente produzidas e a exploração do trabalho, conforme análise de textos consultados. A desigualdade social, como fruto dessa tensão é expressa numa sociedade capitalista onde os interesses sociais se diferem. É pela má distribuição da riqueza que foi produzida pela camada de trabalhadores e pela exploração desse trabalhador que ficam claras as desigualdades e suas marcas (Netto, 2006, p. 142)As consequências da referida pobreza e da desigualdade social se apresentam, também, na forma de violência; e esta surge em espaços como as maternidades. Apesar da unidade neonatal se esmerar no cuidado de “pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos” (Lei 8.069, art 15), apresenta desafios que ultrapassam o conhecimento específico de saúde do recém nascido. Cada bebê traz consigo uma história de vida familiar e social que vai para além dos limites de sua incubadora. Como dito acima, a questão social vem disfarçada com a roupagem do abandono, da drogadição dos pais, da pobreza e, muito frequentemente, da violência física e psicológica. Todos esses problemas estão relacionados à precariedade das políticas públicas oferecidas à população usuária, isto é, políticas de saúde, de habitação, de educação, de trabalho, de lazer. De acordo com Volic e Baptista (2005, p.2), quando essas políticas ocorrem de maneira efetiva, reduzem-se os riscos das famílias negligenciarem seus filhos. As mesmas autoras informam em pesquisa que os motivos de maior incidência para o abrigamento de crianças são a negligência e o abandono. Isso não descarta que outros motivos, também, surjam como fator indicador de abrigamento como, por exemplo, as condições precárias de vida familiar, a violência física intrafamiliar e a drogadição dos pais. Acrescentam, ainda que esses indicadores quase sempre estão associados à pobreza. Tomando como base essas informações, podemos afirmar que bebês encaminhados para os Conselhos Tutelares e Juizados estão acompanhados dos fatores identificados na pesquisa. Além da pobreza e da drogadição dos pais, observa-se um alto nível de gravidez indesejada, que frequentemente estão associadas às condições de vida familiar.Muitos são os motivos que levam os familiares a abandonarem seus bebês nas maternidades, contudo é percebido que quase todos esses motivos estão relacionados à violência doméstica, às péssimas condições de vida, ao desemprego, ao baixo nível de escolaridade e demais condições advindas da questão social enfrentada pela nossa população.Em análise concreta da realidade vivida nessa maternidade, pudemos extrair os números que expressam a relevância desse ensaio. Apenas como ilustração, identificamos encaminhamentos realizados ao Juizado referente à área de abrangência dessa maternidade. Aos Conselhos Tutelares são encaminhados os casos de maus tratos, negligência, violação de direitos, mas a criança ainda permanece sob os cuidados dos pais ou familiares – nesse caso, não quantificamos as notificações. Apenas como amostra, no ano de 2008 foram encaminhados nove casos, tendo como motivo o abandono de bebês e a entrega voluntária e consciente para a adoção; em 2009, o número reduziu para seis casos, mas fatores novos surgiram como motivo desses encaminhamentos, tais como, por uso de drogas e mães portadoras de doenças psiquiátricas, sem moradia e/ou família; em 2010 e 2011 os números se mantêm os mesmos, treze casos, dentre os quais apresentam, também, a soma de todos esses motivos. O uso de drogas tem se apresentado como um dos fatores mais fortes para a busca de decisão judicial quanto à guarda da criança. Dados os números acima, observamos que os casos de abandono e, consequentemente, encaminhamento para o Juizado, tem aumentado sensivelmente com o passar dos anos e todos eles estão relacionados às mazelas da questão social expressada através da violência, do uso indevido de drogas, às doenças psiquiátricas etc. Nesses casos, a família quando não é fortalecida para cuidar do bebê, este é encaminhado ao órgão competente a fim de ter garantido o seu direito à convivência familiar em condições dignas de desenvolvimento.Quando os problemas nas internações afetam à família de forma que a desorganize e fragilize o cuidado com o bebê, o Serviço Social é acionado com pedido de acompanhamento pelo “risco social” a que esse bebê está exposto. Nota-se que um profissional com competências sociais é chamado para compor a equipe, considerando nesse momento que as exigências para a definição de saúde vão para além do cuidado do modelo curativo. Esse cuidado requer que se ultrapasse os muros das especialidades médicas e que se busque um olhar onde são percebidos os fenômenos sociais. E, nesses casos, é solicitada a intervenção do assistente social e psicólogo por serem esses os profissionais preparados para a escuta qualificada dos pais e quem avalia as condições sociais e mentais da família. Um dos “Textos Básicos da Saúde”, do Ministério da Saúde (2008), que refere sobre doenças crônicas em adolescente, vem apontando sobre de todo o cuidado e percepção que os profissionais devem ter ao cuidar de um portador de doença crônica; contudo, ao falar da abordagem com as famílias ele nos remete aos profissionais de Saúde Mental e de Serviço Social.Famílias com doentes crônicos, longo período de internação, dificuldades de compreensão de que o percurso casa-maternidade-casa foi interrompido por problemas inesperados passam a ser campo de atuação dos profissionais que lidam com as situações emocionais, familiares e sociais. São esses profissionais que serão convocados para acolher, acompanhar, orientar e trabalhar com os familiares dos bebês comprometidos, esperando que eles consigam harmonizar e intermediar as relações entre familiares e a equipe. É comum que nessas situações a relação de familiares com as equipes se torne conflituosa. As equipes de Saúde Mental e Serviço Social são desafiadas a buscarem alternativas que tentem dar conta dos problemas sociais e relacionais que surgem no espaço neonatal. É no encontro com as outras categorias que os problemas são minimizados, divididos e convergidos para a interdisciplinaridade. III – Efeitos alcançadosPodemos concluir que o cuidado com o bebê internado requer uma dimensão muito mais extensa que o cuidado restrito ao corpo. Suscita um atendimento ampliado que alcance e discirna as questões familiares e sociais envolvidas. Observamos o reconhecimento por parte de toda equipe de que os problemas sociais advindos da referida questão social ultrapassam os limites do saber de cada categoria. Procurar entender e decifrar quais são os determinantes sociais que se colocam nos atendimentos de familiares de bebês internados na unidade neonatal é um desafio para os profissionais de saúde das maternidades. Nesse sentido, em todos os casos onde houve interação das equipes de Serviço Social e Psicologia pudemos avaliar melhor cada fato, usufruindo dos saberes específicos de cada categoria. Com isso, a solução dos problemas vêm a contento de modo que alcançamos sempre o que é melhor para a criança e por conseguinte, para sua família. V - Considerações finaisAs informações acima nos trazem duas importantes reflexões a respeito do trabalho do em equipe. Primeiro, identificamos que devido o agravamento da questão social nas famílias mais pobres, a incapacidade de cuidar de seus filhos vem aumentando sensivelmente. Acompanhando a gravidez indesejada, que muitas vezes leva ao abandono do bebê, o uso de drogas, principalmente do crack, vem apontando como foco de intervenção e atenção dos operadores de políticas públicas. Verificamos muitos estudos sobre a violência contra a criança, mas urge nos tempos atuais uma análise mais precisa sobre os casos de violência contra bebês que mal acabaram de nascer – na maioria dos casos esses bebês sofrem violência durante o seu desenvolvimento intrauterino. Os números apresentados nessa única maternidade já indicam que se deve observar melhor a frequência que os fatos se dão para melhor intervir. Em segundo lugar, o fortalecimento da equipe multidisciplinar e sua capacitação para reconhecimento e enfrentamentos das mazelas da questão social devem ser visto como prioridade pelos gestores das políticas públicas. Sabemos que nenhum profissional atuando isoladamente nos seus guetos conseguirá dar respostas positivas aos desafios que se colocam para os profissionais de saúde.