Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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Antes tarde do que nunca: o grito de socorro da vitima de violência sexual
Rosania Figueira, Arnaldo Risman

Resumo


A temática relacionada a abuso sexual de crianças ou adolescentes é antiga no meio social, porém as discussões se tornaram realidade possível a partir do momento em que se ficou inviável conte-lo dentro da mentira, ou sob a forma de segredo. Amazarray e koller (1998) apud Padilha e Gomide (2004) afirmam que as taxas de ocorrência reais de abuso sexual são provavelmente mais elevadas que as estimativas existentes, já que a maioria dos casos nunca é revelada. Questões ainda não respondidas abrem espaços para a pesquisa cientifica na busca de informações sobre o abuso sexual. Somente a partir dos anos 80 é que surgiram campanhas internacionais de sensibilização a respeito do tema, em especial sobre a violência sexual incestuosa, que vieram a atingir escolas, hospitais e tribunais de justiça. Até então, estas informações eram segredo mantido no espaço intrafamiliar (Pizá & Barbosa 2004). Mesmo considerando o baixo índice de denuncias, os levantamentos sobre ocorrências no Brasil impressionam (Padilha e Gomide, 2004). Três aspectos são comuns para a definição de abuso sexual: dificuldade de compreensão por parte da criança sobre sua participação na relação abusiva; o uso da criança pelo adulto para a propria estimulação sexual e; o comportamento coercitivo do adulto que não é identificado facilmente (Amazarry & Koller (1989) apud Padilha e Gomide (2004). Através da pesquisa “Pedofilia: em defesa de um corpo em desenvolvimento”, foram desenvolvidas palestras com o objetivo de promover um esclarecimento e uma reflexão junto à sociedade local (município de Vassouras/RJ) sobre o crime de abuso sexual com crianças ou adolescentes. Falar de pedofilia, em uma sociedade onde a cultura local tem como regra o silêncio, corre-se o risco de encontrar uma resistência a temática proposta, já que ao conceito de violência ultrapassa vários sentidos. Segundo Gonçalves (2003) apud Brito(2011) “a violência está profundamente imbricada nas questões culturais e identitárias levantadas pelo fenômeno da globalização e se manifesta nos espaços menos visiveis”. O atendimento de violência sexual contra crianças ou adolescentes, demanda características especiais e um atendimento qualificado ao trabalho proposto. Durante algumas palestras, o grito de socorro foi dado.... mulheres vitimas de abuso sexual na infância não tiveram qualquer pudor em relatar, com riquezas de detalhes, a sua história mantida até então em segredo. A sensação do saber pleno que pairava na academia no inicio dos trabalhos se mostrou vulnerável nos relatos apresentados, e formularam questionamentos sobre os procedimentos pré-formulados que vinham sendo utilizados (Gonçalves, 2004). A missão das instituições universitárias é ampliar a reflexão sobre temas em destaque na sociedade (Brito, 2011) e as demandas trazidas nas palestras comprovaram a necessidade de ampliação do olhar existente sobre a temática. Os rastros deixados pela violência sofrida são inegáveis e os relatos trazidos nos discursos pelas vitimas, hoje mulheres adultas, apontam a eficácia e a importância de um espaço de escuta para as vitimas de abuso sexual na infância como forma de combater a crime de pedofilia que ainda permeia os corredores secretos da sociedade, pois compartilhar histórias promove um novo aprendizado aos que se dispõem a ouvir. A diversidade de visões, nas distintas possibilidades de se analisar e de se compreender as questões apresentadas vão muito além dos conceitos pré-formulados pelos estudos realizados, correndo o risco de se chegar a conclusões parciais ou equivocadas dentro do contexto geral. Não se deve estreitar o olhar, mantendo-o fixo em um único ponto havendo a necessidade de ampliar o foco de visão para alcançar a complexidade da situação trazida. O fato é que a academia não pode se calar diante desta constatação, pois a tentativa de aproximação teórica do tema ao cotidiano, é capaz de estimular a (des)construção do pensamento critico e promover um espaço de reflexão sobre o tema (Brito, 2011). O papel da academia é (trans)formar os conceitos existentes e para tanto desde 2009 vários encontros, reuniões e palestras foram desenvolvidas na busca do objetivo proposto. Nestes encontros os pesquisadores buscam criar um ambiente descontraído para que a temática possa ser discutida sem criar qualquer tabu na cultura local. Graças a essa proximidade que a universidade permite, é que podemos construir conceitos e anular a sensação de normalidade vivida pelo cotidiano, em busca de minimizar os efeitos perniciosos da violência sexual cometida contra crianças ou adolescentes. Diante da confiança instalada no ambiente é que depoimentos foram trazidos ao cenário do debate, fazendo com que a violência sexual contra crianças ou adolescentes fosse trabalhada num universo muito além da academia, mas referenciada como causas e consequências em campos diversos – medicina, psicologia, assistência social, ciência jurídica... contribuindo assim à compreensão dos fenômenos da violência cometida (Gonçalves, 2009). Pizá & Barbosa (2004) afirmam que diagnosticar os casos de pedofilia antes do ato ser cometido e oferecer estratégias eficazes podem ser úteis no conjunto de medidas necessárias para lidar com a questão; após instalado o abuso é indicado um olhar apurado ao tema em estudo. O saber pode ser transmitido, pode ser herdado e o que foi alcançado por um, pode ser apropriado pelos outros (Goethe). Desta forma, o espaço aberto serviu para a manifestação dos sintomas vivenciados pelas mulheres vitimas de abuso sexual enquanto crianças, possibilitando uma troca de experiências e vivencias na busca da tutela das futuras possíveis vitimas, mostrando-se como um importante desafio que implica articular conhecimentos sobre pesquisa cientifica e demanda apresentada, numa reformulação constante do modelo pré-constituido, desmistificando e contrariando assim a hipótese trazida por Widom (1998) da violência intergeracional, segundo a qual violência gera violência e abuso gera abuso.