Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


Tamanho da fonte: 
DILEMAS VIVENCIADOS PELOS PSICÓLOGOS NA ATENÇÃO PSICOSSOCIAL: PERCEPÇÕES, PRÁTICAS, ESTRATÉGIAS DE ATENÇÃO E PROJETO TERAPÊUTICO.
Andrea Acioly Maia Firmo, Mardênia Gomes Ferreira Vasconcelos

Resumo


Embora hoje nos pareça de fácil aceitação agregar os fatores psíquicos e sociais ao objeto da psiquiatria, bem como compreendermos a importância da dinâmica de transformação da realidade investigada, relativizar a epistemologia e o campo de práxis do pressuposto manicomial de atenção agregava significativa resistência, posto que a conduta proposta era atribuir ao estudo do “pathos” a “existência complexa dos sujeitos”. O modelo de atenção psicossocial faz referência às primeiras preconizações deste processo de transformação que conhecemos como “Reforma Psiquiátrica Brasileira”, que demarca tal mudança na percepção política sobre a loucura e é impulsionada a partir dos processos de redemocratização do País. A carta constitucional de 1988 juntamente a outros acontecimentos foram estruturantes nesse período, tais como: 1) a proposta do Sistema Único de Saúde; 2) a realização da primeira Conferência de Saúde Mental (1987) e, por conseguinte, 3) o nascimento do primeiro Centro de Atenção Psicossocial (Luis Cerqueira, em São Paulo, em 1989) e 4) a apresentação ao Congresso do projeto de lei de autoria de Paulo Delgado, que propunha a substituição progressiva dos hospitais psiquiátricos por uma rede substitutiva composta por outros dispositivos terapêuticos. Esses entrelaçamentos históricos nos aproximam da compreensão de que há uma “Dívida Histórica” no campo da saúde mental destinada às crianças no Brasil. Com efeito, a promulgação de Lei n.º 8.069, de 13/7/1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente, foi decisiva para a reformulação das diretrizes destinadas a este público, pressupostos que se esboçam e mantém hodiernamente na Lei Federal 10.216 e na Portaria MS 336/2002. Esta aponta um modelo com orientações específicas ao planejamento assistencial em saúde mental infanto-juvenil nos novos dispositivos institucionais denominados Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que passaram a exercer função de significante para o movimento dos trabalhadores de saúde mental que, por sua vez, protagonizam junto aos usuários e familiares tal movimento de transformação da produção das estratégias de cuidado e de relação com a loucura buscando alcançar o reconhecimento de serem autenticamente substitutivos. Neste contexto, surge a proposta de realização do projeto terapêutico singular (PTS) que constitui elemento estratégico de atenção e cuidado com origens no horizonte ético-político do termo “psicossocial” e não somente uma conceituação que apresenta a proposta do serviço de saúde. O PTS carrega em seu bojo a proposta de ser o disparador das demais estratégias de cuidado e, embora ainda recente, este já apresenta seu potencial enquanto conjunto de atos assistenciais pensados e pactuados pelo (s) profissional (ais) da equipe de saúde, usuário e seus familiares, de modo individualizado e pensando no coletivo de sujeitos, por isso denominado singular. Assim, neste estudo, buscamos investigar de que modo vinham sendo desenvolvidos, do ponto de vista clínico e institucional, os Projetos Terapêuticos nos Centros de Atenção Psicossocial Infanto-juvenis de Fortaleza, analisando a partir do discurso dos psicólogos envolvidos, de que modo estes contribuíam junto às demais áreas profissionais da equipe de saúde (tais como: enfermagem, psiquiatria, serviço social, terapia ocupacional entre outros) no que tangencia aos processos de produção estratégica do cuidado com base em sua projetualidade. Especificamente, observar qual (is) as estratégias de produção do cuidado eram lançadas, posto que de imediato concordamos que o Projeto terapêutico singular possui papel importante de disparar os processos de subjetivação e demais estratégias de cuidado imbuídos na tríade equipe-usuário-família, tais como vínculo acolhimento, co-responsabilização e autonomia contratual do sujeito. Constituiu um estudo qualitativo, sob vertente crítica-analítica. Os participantes do estudo foram os psicólogos dos CAPS Infanto-juvenil (CAPSi) das Secretarias Executivas Regionais (SER) III e IV do Município de Fortaleza-CE. Trabalhamos com a entrevista semi-estruturada enquanto instrumento de coleta de dados utilizado nas conversas com os psicólogos e observação sistemática para coleta de dados. Nosso lócus para o trabalho de campo foram os dois atuais CAPSi de Fortaleza, onde cada um conta com o suporte técnico de três psicólogos. Deste modo, seis profissionais compuseram o público investigado. O tratamento do material empírico seguiu as orientações da análise de conteúdo do tipo temática, que apontam três etapas básicas: ordenação, classificação e análise final dos dados. Os dados produzidos através das entrevistas e das observações foram transcritos na íntegra, de acordo com a fala dos informantes (por esse motivo, mantivemos a linguagem coloquial dos mesmos), e analisados a partir das categorias: contratualidade, equipe, PTS e Reforma Psiquiátrica; com o objetivo de facilitar que pudéssemos reconhecer os conceitos mais utilizados e, com isso, auxiliar na fase posterior de delimitação e agrupamento dos temas centrais presentes nas entrevistas, que compuseram as categorias do estudo em questão. A coleta do material empírico manteve os princípios éticos que norteiam o trabalho científico, guardando o anonimato e sigilo quanto à autoria das respostas dos entrevistados e observados. Os sujeitos tiveram acesso ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. O projeto de pesquisa foi previamente submetido à análise do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e a pesquisa de campo somente iniciou-se após sua aprovação. Trabalhamos a abordagem hermenêutica crítica como referência teórico-metodológica deste estudo, por ser entendida enquanto propulsora do exercício constante da interrogação diante dos nossos conceitos prévios ao entendimento daquilo que diz o texto e o discurso, marcado pela historicidade do objeto e a reflexão vinculada à práxis, na “arte da compreensão”. Os resultados evidenciam que os psicólogos têm encontrado dificuldades em realizar ações mais próximas ao que é preconizado como modelo de avaliação psicológica e prospectiva em saúde, de como articulá-la dentro do fluxo dos serviços, bem como para colaborar para a construção dos Projetos terapêuticos singulares nos dispositivos, posto que os profissionais aparentam atrelar as decisões diagnósticas e prognósticas à figura médica. Com efeito, tais considerações refletem questões referentes aos processos de trabalho e formação dos profissionais de psicologia, demandando que sejam estabelecidas estratégias de educação permanente que os auxiliem na tarefa de implementar os serviços substitutivos, sem maiores dificuldades em relação a processos que articulam os aspectos clínicos e políticos.