Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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O cuidado domiciliar desenvolvido pelas enfermeiras na estratégia saúde da família
Susana Oliveira

Resumo


O Programa de Saúde da Família foi implantado em 1994 com o objetivo de contribuir para a reorientação do modelo assistencial a partir da atenção básica, tendo como um importante componente das atividades dos profissionais que atuam nas equipes no PSF a Visita Domiciliar (VD). A ação domiciliar é a que mais se destaca entre as estratégias de ação do PSF, servindo como instrumento que possibilita o conhecimento da realidade de vida da população, assim como o estabelecimento de vínculo. A VD é uma das ferramentas do trabalho em saúde que tem como uma de suas características essenciais o fato de ser um trabalho vivo em ato, relacional, que se dá no encontro entre usuário e trabalhador. Toda abordagem assistencial de um trabalhador de saúde junto a um usuário, produz, por ser trabalho vivo em ato, um processo de relações, que envolve a subjetividade de ambos, e que pode levar a diferentes resultados, dependendo de como acontece essa relação. O enfermeiro, como um dos membros atuante da equipe de Saúde da Família, realiza atividades de cuidado no domicilio, além das atividades de supervisão do trabalho dos ACS e dos auxiliares de enfermagem. Diante disso, o objetivo deste trabalho é analisar as principais estratégias clinica e de educação em saúde utilizadas pelas enfermeiras durante a visita domiciliar.Este trabalho se fundamentou na metodologia qualitativa e faz parte da pesquisa intitulada “A atenção domiciliar na estratégia saúde da família: tecendo o cuidado em conjunto com a família”. O cenário dessa investigação é a cidade de Londrina. Foram escolhidas duas unidades de saúde da família para essa investigação que possuem realidades diversas, mas uma coordenação/equipe que busca intervir no processo de trabalho procurando uma maior aproximação com o ideário do SUS e Estratégia Saúde da Família: uma delas tem sua origem em um assentamento urbano, sua população, em geral, possui precária condição socioeconômica. A outra Unidade de Saúde possui uma área de abrangência extremamente heterogênea, constituída de conjuntos habitacionais, loteamentos e chácaras. Como instrumentos de investigação foram empregados: o levantamento documental, a observação e entrevistas com as enfermeiras (os) das equipes de Saúde da Família. Foi observada a produção do cuidado na atenção domiciliar realizados por quatro enfermeiras, no antes, durante e depois das visitas domiciliárias. O período de coleta de dados foi de julho de 2010 a julho de 2011, quando foi observado o processo da produção do cuidado de 14 visitas. Foi utilizado um diário de campo para o relato das práticas das enfermeiras. Todos os relatos foram divididos em três categorias: 1. Atividades realizadas pelas enfermeiras no domicílio; 2. Ferramentas e tecnologias utilizadas na produção do cuidado; 3. Relação entre profissional e usuário/família. Após dividir por categorias, os dados foram analisados em duas vertentes, “a casa alegre” e a “casa triste”.As atividades realizadas pelas enfermeiras no domicílio foram em geral, definidas como aferição de PA; realização de curativos; orientações; esclarecimento de dúvidas; histórico de enfermagem; questionamento em relação à adesão ao tratamento, medicamentoso ou não-medicamentoso; avaliação clínica; agendamento de consulta; encaminhamentos para especialidades; e entrega de resultado de exames. Como exemplos de tecnologias e ferramentas foram observados e relatados no diário de campo: Tecnologia leve: “a enfermeira explicou o como funciona o antibiótico usando como exemplo soldados; falou que o antibiótico é como soldados que lutam para nos proteger, e que os soldados trabalham em turnos, e por isso se não tomar o antibiótico de oito em oito horas, os “inimigos” (bactérias) tomam conta do quartel.” (V2E1) Tecnologia dura: “A enfermeira verificou a PA da paciente, e orientou a filha a oferecer mais frutas (de baixo custo), e vitaminas. A maioria das orientações foi passada para filha, poucas informações diretamente para a senhora (capaz de compreender).” (V1E3) Ferramenta: Demonstração “pediu para o paciente demonstrar como ele fazia para se locomover na casa, como ele preparava os alimentos, e outras atividades de vida diária – possibilitou conhecer as dificuldades do usuário na AVDs” (V1E1). Exemplo sobre relação entre profissional e usuário/família: “Na ida a casa desse senhor, a enfermeira relatou ser “um homem triste, uma casa triste”. Disse que este era um paciente crítico, pois tem DM a mais de 20 anos, já tem várias complicações devido à doença, e mesmo assim não segue as orientações de enfermagem/médica” (V3E1). A discussão dos dados foi feita por duas vertentes usando como referencial Baruch Espinoza, o cuidado prestado na “casa alegre” e o cuidado prestado na “casa triste”, os quais foram citados por uma das enfermeiras observadas em diferentes domicílios. A CASA ALEGRE: a alegria aumenta nossa potência para agir. Por isso, na assistência prestada na “casa alegre” foi possível observar a prevalência de tecnologias leves e leve-duras, essenciais para a produção do cuidado, criação de vínculo e aumento da autonomia das pessoas. As orientações realizadas eram feitas seguindo protocolos existentes, mas adequando com a realidade apresentada pelo usuário/família, o que torna a tecnologia mais leve que dura. E não apenas o usuário era o foco do atendimento, mas sim a família. A CASA TRISTE: A visita domiciliária à casa triste sofre mudanças também, mas essas mudanças geralmente diminuem a potência de agir do usuário, e também dos profissionais que ali atuam, por se tratar de ‘maus’ encontros. As VDs foram mais pautadas em procedimentos, e em orientações protocoladas, não efetivas às necessidades do usuário. Com isso, muitas vezes o usuário foi excluído da sua produção do cuidado, e por isso, tornando-se passivo ao tratamento. A falta da capacidade de ouvir e atender as necessidades do usuário também foi identificado nas observações, muitas vezes a enfermeira apresenta-se muito focada nos sintomas clínicos e não consegue ouvir as queixas do usuário.O trabalho em saúde é complexo, árduo e sofrido, mas também cheio de realizações e alegrias. Muitas vezes o profissional não percebe como o seu modo de trabalho pode influenciar e até mesmo alterar o processo de saúde/doença dos indivíduos. Com isso, pudemos perceber que o encontro dos profissionais com os usuários podem causar diferentes paixões. Se for uma paixão alegre, o potencial tanto do trabalhador quanto do usuário é aumentado, melhorando o atendimento, singularizando o usuário e aumentando sua capacidade de agir sobre seu estado de saúde. Mas se esse encontro gerar uma paixão triste, a capacidade agir do trabalhador é e do usuário são diminuídas, gerando um atendimento protocolado, sem valorização do sujeito, e diminuindo a autonomia dos usuários. É sabido que nos serviços de saúde há encontros bons e ruins, mas é necessário destacar que não se pode fazer um cuidado acolhedor e resolutivo apenas nos bons encontros. Por isso, é fundamental capacitar os profissionais para atender esse público cada vez mais complexo, principalmente no que diz respeito às competências nos aspectos relacionais, pois esse é um dos caminhos para garantir um cuidado integral.