Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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O que pode a Redução de Danos? Videz-vous de tous vos clichés: o graffiti como produção de saúde.
Michele Eichelberger

Resumo


É corrente no campo da saúde a concepção de que o uso de drogas é um problema a ser excluído e é nessa concepção que tudo gruda, eliminando de antemão qualquer possibilidade de construir linhas de cuidado com as pessoas que fazem uso de drogas, qualquer possibilidade que não seja pela via da abstinência. Esse é o quadro (visível). E é sobre essa tela que se vem lançando uma mancha, um grito, o gesto de “O PODE A REDUÇÃO DE DANOS?”. Onde o que se procura é a expressão de um traço que movimente um tanto de “fora”, incluindo ruídos, outras vozes, outros gestos nisso que já vem pré-desenhado no “enquadre” de clichês, da subjetividade, da vida, saneando territórios em prol de um discurso de risco e promovendo um verdadeiro hiato sanitário. Um conceito esquelético de promoção à saúde, um tanto quanto fantasmático e intimidador, ou ainda, hipertrofiado e neurótico, que produz mais e mais patologias, mas que clama por uma revolução da percepção. Para tanto, na coexistência dos movimentos de expansão e redução, no movimento de tornar possível outro fundo para se pensar o que seja um verdadeiro problema e o que de fato tem que ser excluído, faz-se corpo com as experiências da clínica de redução de danos, no passo a passo com os esforços do governo federal, da sociedade e das equipes de saúde não só para expansão, em profundidade, da rede de atenção álcool e drogas, mas para sua qualidade perspectiva, para que se opere de forma consistente na ampliação do acesso e qualificação do cuidado, a partir da realidade das redes territoriais, ali, onde se constrói o cuidado integral, a partir de práticas concretas de saúde. “O gesto”, aqui, é o cerne de uma questão ética, uma ética prática, da composição, que afirma que não há uma composição prévia. Justamente porque quando uma política coletiva é convocada a afirmar diferenças, acolhendo singularidades, o que varia o tempo todo é o modo de compor, de acordo com os conceitos de saúde. Sendo que o desenho desse gesto, como agir em saúde, convocando o coletivo, é uma expressiva fragilidade do movimento da reforma sanitária no Brasil, na medida mesmo em que a territorialização, planejamento e programação se engessam em uma perspectiva macro promovendo uma imensa fadiga. Uma vez que outras possibilidades de vida individual e coletiva não estão dadas de antemão, tudo está em jogo, a aposta no conceito de redução de danos, para além de um possível decidido de antemão nas esferas da moral e da política, é o acorde menor que faz variar o que parece não querer mudar ou o que muda muito rapidamente para nós. Uma causa ativa, uma ação no presente à escapar dos modelos em prol da vida em seu constante processo de diferenciação, de outros modos de existência, de outros modos de vida e trabalho. Assim, articular o conceito de Redução de Danos com o conceito de promoção da saúde é o acorde, o acorde de um conceito adormecido, à relançá-lo numa nova cena. Operando os traçados da política nacional de promoção à saúde com a política nacional de saúde mental e de atenção básica, que por sua vez caminham com os princípios e diretrizes do SUS, articula-se a política de redução de danos à construção de novos modos de trabalhar em saúde, à uma postura radical de produção de saúde, de produção de vida. Essa é a composição que se abre, passo a passo, à construção de projetos comuns na diferença, do trabalho em rede, uma rede heterogênea de produção de saúde a se articular. O plano traçado, sobre o qual se movimenta operando esse arranjo conceitual, o desenho do gesto, é o graffiti. O graffiti que, atentando a uma poética social, na composição com o território, vem expressar (tornar sensível, visível, possível) uma produção coletiva de saúde, entre pessoas que fazem uso de crack e trabalhadores, entre os próprios trabalhadores e serviços de uma rede territorial de atenção implicados na construção do cuidado com pessoas que fazem uso de drogas. Produzindo conhecimento para construção de uma clínica de redução de danos, ressaltando a função terapêutica da comunicação e das trocas, de espaços coletivos de conversação, e pintando, assim, o encontro de uma zona de comunidade (agitada) para acolher zonas de singularização.