Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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Programa de Educação pelo Trabalho (PET): relato de uma experiência a favor da educação permanente.
Leonardo Oliveira, Aione Oliveira, Magda Barreto, Debora Rocha, Marina Bond, Marcela Dias, Marcela Monteiro, Nathalia Braga, Andressa Ferreira, Fernando El-Jaick, Rita Cavalcante, Octavio Serpa, Juliana Caramore, Patrícia Miranda, Cristiane Mazza, Viviane Tinoco, Maria Paula Cerqueira

Resumo


O Instituto de Psiquiatria e a Escola de Serviço Social da UFRJ participam de um Programa de Ensino pelo Trabalho chamado PET Saúde, Saúde Mental Crack, Álcool e Drogas, uma iniciativa conjunta entre os Ministérios da Saúde e da Educação, que inseriu, desde março de 2011, graduandos da área da saúde e tutores (docentes) em serviços públicos de saúde mental da capital do RJ (CAPS - Centro de Atenção Psicossocial), contando com a preceptoria de técnicos dos serviços. A metodologia do trabalho, que relata apenas a experiência de um dos grupos de tutoria, estruturou-se em dois momentos articulados: um de imersão no cotidiano dos serviços e outro na universidade. O primeiro foi constituído de um trabalho junto com a equipe no serviço, um de supervisão técnica com preceptor e outro de reunião de equipe (encontro semanal de discussão, deliberação e encaminhos realizada pela equipe técnica). O segundo momento proporcionou a interlocução entre os tutores, preceptores e graduandos, sendo dividido em um espaço de reunião semanal entre graduandos e tutores, quinzenal entre tutores, preceptores e graduandos, uma reunião geral mensal com todos os grupos de tutoria e uma reunião mensal somente entre preceptores e tutores. Esses encontros favoreceram a imersão dos graduandos no serviço e a circulação de impressões e conhecimentos tanto no interior do serviço como no espaço da universidade, implicando em “aprendizado real”. Para tal prática, foi adotada uma estratégia de pesquisa que movimentasse e orientasse esses encontros. A estratégia escolhida foi a chamada “caso traçador” que, segundo Feuerwerker e Merhy (2011), é muito utilizada na análise de processos complexos como das áreas da Educação e Saúde, e permite conhecer e aprender “em ato”. Essa estratégia consiste na análise da trajetória de um usuário específico através da rede de cuidados singular que ele construiu ao redor de si, sendo importante, pois proporciona a captação de valores, conceitos e tecnologias que não seriam passíveis de serem escutados em uma simples entrevista, onde “geralmente se fala do “dever ser” – e não do que realmente é – ou de como cada um interpreta a cena vivida – sem expressar necessariamente os conflitos”. A adoção dessa experiência, que não foi perdida de vista durante todos os momentos do projeto, trouxe à tona a singularidade e a complexidade dos casos da clínica ao mesmo tempo em que produziu conhecimento sobre a potência e dificuldades da rede. Optou-se pela escolha de dois casos principais, um do CAPSad Raul Seixas e outro do CAPS II Torquato Neto, da mesma área programática do Município do Rio de Janeiro, que receberam uma atenção especial, mas a idéia de caso traçador ficou presente no cotidiano do projeto na forma como tentávamos aprender com os aspectos singulares de cada caso. A reflexão sobre esses dois casos gerou um conhecimento vivo sobre os nexos e rupturas entre o trabalho das diversas políticas sociais, do CAPS e da comunidade no território, sendo observado que quando a rede singular de cuidados está sendo tecida com o reconhecimento da comunidade em relação à rede SUS, facilita-se o processo de reabilitação. Porém, além da relevância desse conhecimento, é importante ressaltar a forma através da qual se chegou a ele, ou seja, a importância da educação imersa na realidade dos serviços. Segundo Massaroli e Saupe (2005), em 1978 a organização pan-americana de saúde usou o termo Educação Continuada para designar o “processo permanente que se inicia após a formação básica e tem como intuito atualizar e melhorar a capacidade de uma pessoa ou grupo, frente à evolução técnico-científica e às necessidades sociais”. Mas, segundo os mesmos autores, inspirado no conceito freireano de “competência processual” vai surgindo um novo termo: “educação permanente”, com um sentido mais amplo que abarca a experiência coletiva além da individual e se dá orientada para “enriquecer a essência humana e suas subjetividades, em qualquer etapa da existência de todos os seres humanos e não somente de trabalhadores”. Hoje seria possível falar de “Educação Permanente em Saúde”, conceito que vem tomando força de política pública e que abrigaria, “além da educação em serviço, a compreensão no âmbito da formação técnica, de graduação e de pós-graduação; da organização do trabalho; da interação com as redes de gestão e de serviços de saúde; e do controle social no setor” (Massaroli & Saupe, 2005) Segundo Massaroli e Saupe (2005), pode-se dizer que a Educação Permanente em Saúde articularia processos que atentariam ao estatuto essencialmente mutante da realidade do serviço em questão, e estaria em conexão com a política de formação dos profissionais da área e com a rotina dos serviços com o objetivo de melhorar não só as práticas que devem ser interinstitucionais e intersetoriais como a própria organização, promovendo a problematização dos processos que devem emergir do interior das equipes, contemplando a atualização tecnocientífica, porém com foco na formação integral do ser humano. Logo, a Educação Permanente seria um aparelho integrado a estrutura da organização que a partir das experiências vividas no cotidiano do serviço seria capaz de formular estratégias para ajudar na solução dos problemas. Então, este trabalho refere ao encontro entre Educação Tutorial, via PET, e Educação Permanente, no qual, vários efeitos foram alcançados e relatados pelos graduandos tais como: a problematização de preconceitos em relação aos usuários de drogas e ao usuário de saúde mental; o entendimento da importância de uma forma de cuidado integral e humanizada que envolva a construção de uma rede de cuidado individualizada e que considere o desejo do usuário; o exercício inter e transdisciplinar na equipe, fundamental para a construção do tratamento e do projeto terapêutico dos pacientes; a constituição de pesquisa dentro do serviço, revelando dificuldades da clínica AD e o entendimento da importância de atentar para a ideologia e conjuntura política, que favorecem ou não determinados modos de produzir saúde. Sendo assim, essa experiência de formação para o SUS, distinta da “educação bancária” como denunciou Paulo Freire (2000), foi o principal efeito alcançando pelo PET, uma vez que, os encontros proporcionaram, não só um enriquecimento acadêmico e curricular, mas também foi uma experiência muito exitosa, que influenciou na formação científica, profissional e social de cada integrante, resultando na produção de mais autonomia e criatividade entre os graduandos e profissionais na busca do ideal de uma educação permanente tão recomendável para quem se propõe a enfrentar os desafios cotidianos da área de saúde mental.