Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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VIOLÊNCIA SEXUAL: CONSIDEREÇÕES SOBRE A ASSISTÊNCIA
Paula Land Curi, Betania Nunes de Carvalho

Resumo


Este trabalho tem como objetivo discutir como, através do Programa de Assistência Integral a Saúde da Mulher, foi lançada uma nova visão acerca da assistência integral à saúde da mulher, contemplando também assistência às vitimas de violência sexual, e tecer algumas considerações acerca da assistência realizada em hospital maternidade, na porta de entrada, com mulheres vítimas, levando em consideração o compromisso do estado brasileiro com os direitos das mulheres, através das formulações de políticas públicas de saúde. Em 1984 foi criado o PAISM, Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher, objetivando a ampliação, qualificação e humanização da garantia de direitos das mulheres. Sua implementação e efetivação marcaram uma ruptura conceitual importante, pois, além de estabelecer critérios prioritários em relação à assistência à mulher, foi influenciado pelo movimento sanitário, do qual derivou-se o arcabouço conceitual do SUS. Assim, não podemos deixar de dizer que sua implantação apresentou especificidades na década de 80, no sentido que a atenção integral à saúde da mulher acabou por referir-se às diversas ações executadas nos distintos níveis de assistência. A compreensão que a humanização e a qualidade da atenção em saúde se articula ao reconhecimento de direitos, deu evidência a necessidade de se promover atenção em situação de violência doméstica e sexual, com a organização de rede de assistência, com a prevenção de DST/AIDS e a promoção de ações preventivas. Ou seja, como conseqüência de uma série de discussões intersetoriais, que se deram a partir dos anos 80 com a criação do PAISM e do SUS, a violência que, neste tempo, ainda era compreendida e circunscrita no âmbito da segurança pública, tornou-se também alvo do Ministério da Saúde – MS. A ampliação dos conceitos de saúde, da integralidade de ações, da compreensão acerca da própria violência, assim como a fomentação da participação de diversos atores neste campo, gerou a necessidade de normatizar toda a dinâmica dos cuidados, dentro dos diversos setores envolvidos através do Programa de Assistência às Vítimas de Violência Sexual (VVS). A implementação deste Programa deveu-se à fundamental compreensão que casos de violência sexual são problema de saúde pública e não apenas de segurança pública, como outrora se preconizava. A partir desta tomada de posição, foram instalados em unidades de saúde serviços de atenção integral às vítimas de violência sexual, especialmente dirigidas aos primeiros cuidados e a interrupção voluntária da gravidez, uma vez que, nesses casos, os abortamentos são permitidos por lei. Com isto, as concepções mais restritas sobre a assistência à mulher, que viam o corpo apenas por sua função reprodutiva e tinham a maternidade como seu foco, deram lugar a uma política mais integralizada, propondo interfaces entre saúde e sociedade. Através de seus protocolos cada vez mais precisos, o MS vem destacando não só o valor do atendimento clínico emergencial, numa política de humanização, mas também ao que chama de “apoio psicossocial”, enfatizando a importância do trabalho de assistentes sociais e de psicólogos no estabelecimento de vínculos formalizados que compõe a rede integrada de atenção. Assim, vem apostando na atualização de condutas que possam valorizar o acolhimento, as estratégias de ação e adesão, para a consolidação de sua eficácia. A proposta de integrar diferentes profissionais, setores e políticas públicas, especialmente, saúde, assistência social, justiça e segurança pública, objetivando a garantia de cuidados às mulheres de forma rápida, acessível e eficiente, é absolutamente distinta daquela anteriormente proposta, cujo foco residia unicamente na reparação dos danos corporais que eventualmente pudessem ter ocorrido. Contudo, apesar dos avanços alcançados, ainda há pontos que merecem ser detidamente analisados. O trabalho realizado no Programa de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual, mais exatamente em uma porta de entrada, revela alguns questionamentos que se fazem importantes. A problemática não se restringe apenas ao atendimento em si, mas especialmente à fragilidade de redes de proteção e de assistência, assim como à própria dificuldade dos atores envolvidos na compreensão do que é violência, especialmente de gênero. A prática médica, sempre balizada pelo princípio da visibilidade, respaldada na literatura, fornece aos médicos as características das lesões expostas no corpo, ensinando a distinguir entre aquelas que são ou não intencionalmente provocadas. Contudo, a violência sexual nem sempre “danifica” o corpo, não sendo sempre passível da observação direta de sinais exteriores, tornando fundamental ao agente de saúde debruçar sobre a narrativa clínica do sujeito. Não há dúvidas que, na maioria das vezes, o dano é psíquico e social, pois a violência sexual é sempre acompanhada da psicológica, cuja precisão é dificílima. Como a prática médica vem se distanciando de sua origem clínica, daquela que aponta para o debruçar sobre o leito do doente, a violência pode ser duplicada pela insensibilidade exatamente daquele a quem à mulher costuma recorrer. Não é raro que à violência impetrada extramuros hospitalares, seja acrescida a dor do descrédito, por parte mesmo daqueles que deveriam acolher e qualificar a assistência. É patente que sem sensibilidade necessária para lidar com a situação, expondo o sujeito já violado a uma nova invasão, na busca por sinais, lesões orgânicas que possam ser clinicamente atestadas, algumas equipes violam não só os princípios gerais da Proteção à mulher, mas também os direitos legalmente constituídos. O fato é que se as lesões forem atestadas, os protocolos devem ser seguidos, especialmente no âmbito médico. Compreendendo que os conceitos de assistência integral e de saúde transbordaram aos limites corporais, não há como não enfatizar a necessidade de integração de novos atores/parceiros. Eles não são apenas instituições que se apresentam fora das unidades hospitalares, tais como Promotoria, Conselho Tutelar, Polícia, IML, cada qual com seus afazeres pré-determinados por suas profissões. São também profissionais, tais como assistentes sociais e psicólogos, que se inserem de forma singular no próprio programa de assistência, especialmente por sua escuta clínica, assim como cidadãos que insistem buscando a consolidação de uma assistência intergal mais eficiente, eficaz e efetiva para as mulheres. Palavras-chave: violência sexual, assistência, saúde, sociedade.