Rede Unida, 11º Congresso Internacional da Rede Unida


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ACOLHIMENTO EM SAÚDE BUCAL NO MUNICÍPIO DE FORTALEZA
Margarida Maria Saraiva

Resumo


O município de Fortaleza tem hoje em torno de 2.500.000 de habitantes, e é dividida administrativamente em seis Secretarias Regionais. A experiência da qual trataremos, ocorreu dentro dos limites da Secretaria Regional VI, que é a segunda em população do município, com 550.000 habitantes, e a primeira em extensão ocupando quase 40% de seu território. Contando com 20 (vinte) Unidades de Atenção Primária à Saúde- UAPS, 1 Centro de Especialidades Odontológicas – CEO, e uma cobertura populacional de menos de 40%, as Equipes de Saúde Bucal – ESBs, da Regional em questão, geralmente apresentam grandes dificuldades em transpor os desafios encontrados na busca de organização do atendimento à demanda. Dessa forma iniciou - se uma busca, que envolveu profissionais dentistas de algumas UAPS desta Regional, assim como a Coordenação Regional e Municipal de Saúde Bucal, por uma forma de organizar os processos de trabalho, objetivando atender a todos que procuravam as unidades de saúde, com uma escuta qualificada, capaz de acolher e oferecer soluções adequadas aos usuários, considerando também a estrutura física encontrada e o número reduzido de ESBs. A Política Nacional de Atenção Básica tem como seu primeiro fundamento “Possibilitar o acesso universal e contínuo a serviços de saúde de qualidade e resolutivos, caracterizados como a porta de entrada preferencial do sistema de saúde, com território adscrito de forma a permitir o planejamento e a programação descentralizada, e em concordância com o princípio da equidade”. Quando trata das atribuições dos profissionais da Estratégia de Saúde da Família-ESF, cita em seus artigos IV – Garantir a integralidade da atenção por meio da realização de ações de promoção da saúde, prevenção de agravos e curativas; e da garantia de atendimento da demanda espontânea. VI- Realizar a escuta qualificada das necessidades dos usuários em todas as ações, proporcionando atendimento humanizado e viabilizando o estabelecimento do vínculo.E inclui no rol de processos de trabalho a serem desenvolvidos pelos mesmos profissionais a implementação das diretrizes da Política Nacional de Humanização, incluindo o acolhimento. Já a Política Nacional de Humanização tem como uma de suas diretrizes a redução das filas e do tempo de espera dos usuários, com a ampliação do acesso e atendimento acolhedor e resolutivo baseados em critérios de risco. E reforça ainda mais esse conceito, quando trata especificamente das ações em atenção básica, buscando estimular formas de acolhimento e inclusão do usuário que promovam a otimização dos serviços, o fim das filas, a hierarquização dos serviços e o acesso aos demais níveis de atenção do sistema. No caderno 17 de Atenção Básica, cujo tema é saúde bucal, o acolhimento também é encontrado, e a orientação é que a Equipe de Saúde da Família deve desenvolver maneiras adequadas de receber os distintos modos com que a população busca ajuda nos serviços de saúde, respeitando o momento existencial de cada um. Fala ainda que o acolhimento constitui-se como ação que deve ocorrer em todos os locais e momentos do serviço, não devendo limitar-se ao recebimento da demanda espontânea para identificação de risco ou definição de urgências. Segundo o mesmo caderno, acolher é receber bem, com atenção e disponibilidade para escutar, valorizar as particularidades de cada caso, buscar uma forma de comprendê-lo e solidarizar-se com ele, sendo que a ordem de chegada não deve ser o principal critério para o atendimento, mas sim, a sua gravidade ou o sofrimento do paciente. Dessa forma, seguindo as diretrizes encontradas, iniciamos o planejamento da estratégia, buscando organizar o processo de trabalho das Equipes de Saúde Bucal no que concerne à organização da demanda, planejando o acesso dos usuários ao atendimento odontológico de forma eqüitativa, universal e integrativa.  O primeiro momento dá-se com a discussão da estratégia de acolhimento com toda a equipe de saúde bucal da unidade, bem como os Agentes Comunitários de Saúde – ACSs e a coordenação local. A participação dos ACSs é, como veremos, imperativa para o sucesso da ação, desde o seu início, até sua conclusão. É com o apoio desses profissionais que são encontrados na comunidade, espaços sociais em que possam acontecer os acolhimentos, uma vez que estimulamos que eles aconteçam fora do ambiente da unidade, por vários motivos, entre eles, o reduzido espaço físico disponível para receber um público maior, além de levar o profissional a realmente conhecer seu território, sua população e suas condições de saúde. Junto com equipe visitamos os possíveis locais, que devem poder comportar um público razoável de pessoas de maneira confortável, e ao abrigo do sol. Deve também ter boa iluminação, uma vez que serão feitos exames de necessidades nos presentes, e por fim uma área que possa ser destinada à ações de promoção de sáude, como instruções de higiene bucal. Escolhido o local, é feita também pelos ACSs uma divulgação na comunidade do encontro que acontecerá. Cada acolhimento deve ser direcionado à uma equipe, embora mobilize todos os profissionais de saúde bucal da unidade. No dia marcado, mais uma vez os ACSs são os profissionais que iniciam o acolhimento. Eles fazem a recepção dos usuários, verificando se são realmente residentes daquela área e a distribuição de cartões de identificação que serão utilizados ao longo do encontro. Após todos acomodados, passamos a um momento de suma importância para o êxito do acolhimento, o de pactuações com a comunidade. Toda a equipe participa dessa discussão, onde em seguida às apresentações de todos passa-se à uma franca conversa com os presentes. Explica- se o porquê daquele momento e os objetivos almejados, assegurando que todos os presentes serão examinados e terão sua escuta realizada. É necessário deixar claro a real impossibilidade de agendamento de todas as pessoas que procuram o serviço, devido à reduzida cobertura populacional, e a limitação de atendimento imposta pela dependência da utilização de equipamentos específicos pelo profissional dentista em suas ações curativas. Surgindo daí então a idéia do acolhimento. São dadas noções de estratificação de risco, e como essa ferramenta será utilizada, pactua-se a priorização ao atendimento dos mais vulneráveis, bem como o número de faltas que cada usuário terá direito, acolhimento familiar e o número de vagas destinada a cada família, periodicidade dos acolhimentos, enfim tudo que diz respeito àquele momento e o como se dará o gerenciamento da agenda da clínica odontológica. Também são expostos os serviços ofertados pela UAPS, e os fluxos de encaminhamentos para atenção secundária e terciária. Feitas todas as pactuações e dado o primeiro passo em direção da criação de vínculo com a comunidade e de uma relação de confiança e respeito, passamos à formação dos sítios de exame. Estes sítios, formados por um examinador, necessariamente um dentista, e um anotador, são visitados por todos os presentes, onde são examinados, realizada sua escuta, e feita a identificação do grau de vulnerabilidade de cada um, para em seguida ser anotada em seu cartão recebido no início do encontro. Não deve-se esquecer porém, que a medida que um grupo é encaminhado aos sítios de exame, a maior parte do público fica aguardando a chegada de sua vez, e esse público, ávido de informações, pode ser alvo de várias ações de educação em saúde, busca ativa de vários agravos, campanhas de imunização, e essa oportunidade não pode ser desperdiçada. O protocolo de avaliação de risco utilizado é o apresentado a seguir: Risco 1: Sem necessidade Risco 2: Lesão de mancha branca Gengivite leve (sangramento gengival) Presença de biofilme dentário Risco 3: Presença de doenças/ problemas bucais (cárie, doença periodontal, traumatismo dentário, presença de foco de infecção, lesão de tecidos moles) Os usuários que apresentam riscos de vulnerabilidade 1 e 2 são encaminhados a outros sítios, destinados à prevenção de doenças e promoção de saúde, onde são realizadas ações de instrução de higiene bucal, com atividades de escovação supervisionada, aplicação tópica de flúor e distribuição de kits de higiene bucal. É importante ressaltar que, após a observação e análise dos dados produzidos em vários acolhimentos, percebe-se que em média, 22% das pessoas que buscam o acolhimento, não necessitam de atendimento clínico odontológico, o que significa que 1/4 das pessoas que batem a porta dos consultórios necessitam apenas de ações de educação em saúde, nos possibilitando priorizar o uso do equipamento odontológico propriamente dito, com os que realmente são mais vulneráveis. Os sítios de educação em saúde devem ser conduzidos por pessoal auxiliar, Auxiliares de Saúde Bucal- ASBs, Técnicas de saúde Bucal- TSBs ou ACSs. Já os usuários que apresentam risco 3, e portanto necessidade de atendimento na clínica, são encaminhados ao sítio de agendamento, onde outros integrantes da equipe aguardam com as agendas dos profissionais e a disponibilidade das vagas de cada um. Findados os exames e as atividades paralelas realizadas no acolhimento, segue- se a consolidação dos dados produzidos no encontro. São contabilizados quantos usuários participaram, o percentual encontrado em cada grau de risco, quantos apresentaram necessidade de atendimento clínico, quantos foram agendados, quanto tempo durou a ação. Com os dados preliminares em mãos, faz- se uma reunião com toda a equipe participante do acolhimento. Nessa reunião é feita uma avaliação e análise de todas as etapas do evento, seus pontos positivos e negativos, a participação individual de cada um, a opinião da comunidade frente à estratégia, e a proposição de novas ações para os próximos acolhimentos. Toda a estratégia de acolhimento desenvolvida porém, não pode ser considerada exitosa, se não houver continuidade das ações. Todo o vínculo criado com a comunidade se desfaz se os profissionais não mantiverem sua perenidade. Somente a manutenção da rotina de acolhimentos pode garantir uma mudança nos moldes do relacionamento profissional-usuário, bem como ter algum impacto no panorama de saúde da comunidade assistida.