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GRUPO REFLEXIVO: TRABALHANDO NA PERSPECTIVA DA PREVENÇÃO E ORIENTAÇÃO
Resumo
O referido trabalho propõe expor a intervenção das Assistentes Sociais no âmbito socio-jurídico, inseridas no II Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Campo Grande-Rio de Janeiro. A discussão dará enfoque ao trabalho desenvolvido por estas profissionais junto aos grupos reflexivos de ambas as partes, vítima e o suposto autor do fato, que compõem o processo judicial. Segundo Minayo não se pode estudar a violência fora da sociedade que a produziu, porque ela se nutre de fatos políticos, econômicos e culturais traduzidos nas relações cotidianas que, por serem construídos por determinada sociedade, e sob determinadas circunstâncias, podem ser por ela desconstruídos e superados. Os grupos reflexivos estão previstos na Lei Maria da Penha (lei 11.340) como uma medida judicial a ser aplicada nos casos enquadrados nesta lei e a inclusão das partes ou de uma delas no grupo reflexivo, se dá por meios de determinação judicial, ou seja, constituindo obrigatoriedade. Seja por meio do juiz ou pela equipe técnica. Trabalha-se com dois grupos: o grupo reflexivo para as vítimas e o grupo reflexivo para os supostos autores do fato, vale ressaltar, que como há a existência de supostos autores do fato sendo mulheres, não podemos intitular grupo de homens e grupo de mulheres, pois estaríamos afirmando que somente o homem é perpetrador de violência. Considerando a violência como conversão dos diferentes em desiguais e a desigualdade, com fins de dominação, de exploração e de opressão. Isto é, a conversão dos diferentes em desiguais e a desigualdade em relação entre superior e inferior. Em segundo lugar, como a ação que trata um ser humano não como sujeito, mas como uma coisa. Defendemos a existência deste espaço, como um espaço de troca e de problematização das relações cotidianas entre homens e mulheres. Por maiores que sejam os desafios o grupo reflexivo é um momento extremamente importante de reflexão sobre cidadania e direitos, é um espaço que precisa ser elaborado e aprimorado. A dominação-exploração de muitos por poucos, das classes subalternas pelas classes dominantes, não constitui o único princípio estruturador das relações sociais. Na sociedade ocidental em geral e na brasileira em especial estão presentes mais dois sistemas de dominação-exploração: o patriarcado, que legitima a assimetria das relações de gênero, a subordinação da mulher ao homem; e o racismo, que permite ao branco determinar o lugar do negro na estrutura social. Não é fácil lidar com este fenômeno, na medida em que estes três sistemas de dominação-exploração formam um nó complexo, apresentando uma lógica distinta da lógica de visualizar cada um desses sistemas separadamente. O trabalho do grupo reflexivo para vítimas visa informar, orientar, prevenir e empoderar as vítimas possibilitando a reflexão acerca das relações familiares, de debate de gênero e das teias de relações que perpassam a vida cotidiana das mulheres e o lugar social que ocupam frente à sociedade capitalista; além de criar um espaço de diálogo e escuta no qual é possível externalizar sua história de vida. A equipe multidisciplinar trabalha na perspectiva para redução dos agravos físicos, psíquicos e sociais que podem advir (ou que já advieram) desta violência e a necessidade da abordagem multi no atendimento a essas mulheres está diretamente relacionada à complexidade da situação e à multiplicidade de consequências impostas às vítimas. A participação das mulheres no grupo não é obrigatória como preconiza a lei, porém vislumbramos esse espaço importante para as medidas integradas de prevenção. A inclusão das vítimas e dos agressores indifere se os vínculos afetivos foram rompidos ou não, uma vez que entendemos que o grupo trabalha na perspectiva de prevenção e orientação para que não ocorra a reprodução da violência, ou seja, novos episódios de violência tanto perpetrados ou sofridos por esta vítima. Os dias e horários dos grupos de autores e vítimas são diferenciados para evitar o encontro entre as partes. Os participantes de ambos os grupos colocam a questão do lapso temporal decorrido entre o episódio de violência ocorrido e a audiência de retratação. E questionam a necessidade da sua participação no grupo. A inserção no grupo se dá das seguintes maneiras: A partir do grupo de retratação realizado pela equipe multidisciplinar e a exposição do episódio vivenciado a equipe pode levar ao juiz a importância da participação somente da vítima ou do agressor e a de ambos e o juiz na audiência identificar tal necessidade. Para ambos os casos, a determinação de participação no grupo pelo juiz vem por meio de assentada. Outra maneira de inserção é quando a equipe faz atendimento social e/ou psicológico e avalia a necessidade da colocação desta no grupo, sendo assim é anexado um informativo em seu processo explicitando o motivo da inserção e seus objetivos. A convocação para participação do grupo mulheres se dá quando uma profissional da equipe seja ela psicóloga ou assistente social ou as duas “abrem” o grupo. Os meios de convocação são por contato telefônico com base no telefone que consta no processo, caso não consigamos contato enviamos uma carta de convocatória com o aviso de recebimento para no caso de ausência de contato ou mudança de endereço comunicar por meio de informativo ao juiz. Vale ressaltar que a rotatividade da mudança de telefone das partes (vítimas e agressores) é um dos empecilhos encontrados pela equipe para convocação das partes para participação do grupo. No contrato do grupo está previsto somente uma falta, sendo ela justificada (com documentos) durante a realização dos encontros. A questão da pontualidade também é colocada, sendo admissível atraso de 15 minutos. Enfocamos a questão do sigilo, uma vez que as partes expõem os episódios vivenciados e colocam questões da vida pessoal e a questão do respeito às ideias, costumes, valores e crenças de cada participante, pois estamos em um espaço de troca e podem aparecer divergências, porém a defesa de ponto de vista deve ser embasada no respeito ao outro. Cada participante assina o termo de compromisso composto de 2 vias, uma que será anexada ao processo e a outra fica com a participante. Trabalhamos com os fatores de risco: o baixo capital social, a violência como forma de resolução de conflitos e as normas vigentes da cultura patriarcal. O grupo reflexivo de homens visa trabalhar as questões de poder, patriarcado e valores da sociedade em relação à mulher no qual o homem resolve os seus problemas com o uso da força, violência física e levar à reflexão acerca das relações familiares. Predomina o modelo hegemônico latino de masculinidade onde o homem é competitivo, sexualmente potente, possui auto- controle, é um bom provedor e não pode ser contestado por uma mulher diante de outros homens porque isso o desmoraliza. As ações de prevenção à violência intrafamiliar e de gênero estão centradas, tradicionalmente em ações de proteção e apoio às vítimas e unicamente de punição para os autores da violência. Não defendemos uma perspectiva criminalizadora nem culpabilizadora, recorremos a um tipo de intervenção sócio-educacional e pedagógico que permita aos sujeitos ativos refletirem e questionarem os padrões sociais vigentes. Nesse sentido, trabalhar de forma punitiva reflete a um reducionismo a fatores individuais, sejam biológicos ou intrapsíquicos, na compreensão das causas da violência e não abarca sua complexidade. Acreditamos que a violência de gênero praticada por homens não pode ser justificada de nenhum modo, sob qualquer circunstância ou pretexto. Ela deve ser interrompida com o nosso trabalho e pelos autores de violência, quando assumem a responsabilidade por seus atos de violência e aumentam seus recursos para manejar conflitos em suas relações com os demais. Nosso objetivo não é transformar nem mudar aqueles que recorrem à justiça em busca de solução para questões que aparentam ser particulares, mas que são coletivas; nosso objetivo é permitir um aporte necessário para o rompimento do ciclo de violência.