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Mecanismos de Participação Social nos Sistemas de Serviços de Saúde: análise de experiências no Brasil e na Itália
Resumo
INTRODUÇÃO O tema da participação da população nas políticas sociais e, em particular, no acompanhamento dos serviços de saúde não é novo. Nos últimos 30 anos, em diversos períodos da história e em diferentes países, entre eles a Itália e o Brasil, a implantação de políticas públicas vem adotando mecanismos e dispositivos de participação da população, bem como desenvolvendo estratégias de democratização para os processos de planejamento e gestão (FERLA; POSSA; ARMANI; SCHAEDLER; CÔRTES, 2009).No caso do sistema de saúde brasileiro, a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), na Constituição Federal Brasileira de 1988, definiu no artigo 196: que “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas públicas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (BRASIL, 2000). O SUS para sua implantação, regulação e execução conta também com duas leis complementares: Lei n.º 8080, de 19/09/1990, e a Lei n.º 8142, de 28/12/1990, onde são criados Conselhos de Saúde e Conferências de Saúde nos âmbitos municipal, estadual e nacional.No caso do sistema de saúde italiano, a criação do Serviço Sanitário Nacional (SSN) acontece no final dos anos 70, Lei 833/1978, adotando o modelo universalista previsto na constituição Italiana de 1947, conforme Artigo 32, que atribuiu à República o dever da tutela a saúde “como direito fundamental do indivíduo e de interesse da coletividade”(REPUBBLICA ITALIANA, 2010a). No início da década de 90, através de Decretos Legislativos, acontece a chamada “reforma orgânica”, que define um novo modelo organizacional de empresa sanitária (“Azienda sanitaria”) que fortaleceu a regionalização do sistema de serviços de saúde (AZIENDA UNITÀ SANITÁRIA LOCALE DI RAVENNA, 2010a).Após sucessivas reformas no sentido da organização dos serviços, o sistema de saúde italiano, em 2000, realiza a reforma da integração sócio-sanitária, concretizada através da “Lei Quadro para a realização do sistema integrado”, conforme Lei Nacional n°. 328, de 08/11/2000. Estas mudanças contribuíram para a reorganização e integração do sistema de seguridade social e de saúde, e potencializaram a regionalização dos serviços promovendo maior autonomia para as regiões. Neste contexto a Região da Emília Romana destaca-se pela experiência de implantação de mecanismos de participação social nos serviços de saúde. (SERAPIONE, 2001)Em ambos os países, para realização do estudo de comparação de casos sobre participação nos serviços de saúde, busca-se a experiência de instituições de grande relevância: o Grupo Hospitalar Conceição, no Brasil, e a Azienda Unità Sanitaria Locale de Ravenna, na Itália, por entender que as duas permitem identificar dispositivos de participação, semelhanças e diferenças em relação às estratégias utilizadas, compreendendo potencialidades e desafios à participação.No Brasil, o Grupo Hospitalar Conceição (GHC) desde 2003, vivencia um processo de mudança de modelo organizacional. Este processo inseriu entre as diretrizes estruturantes da instituição a integralidade da atenção centrada na pessoa e suas necessidades e a democratização da gestão e da atenção, definindo estratégias e dispositivos para sua implementação. Estas diretrizes foram concretizadas através de diferentes fóruns de participação: o Conselho de Administração, o Conselho Gestor do GHC, o Plano de Investimento Institucional Participativo (PI), os Colegiados de Gestão e a Mesa de Negociação Sindical.Na Itália a Azienda Unità Sanitaria Locale di Ravenna (AUSLRA), desde 2004 definiu entre suas diretrizes institucionais a integralidade da atenção centrada na pessoa e suas necessidades e a democratização da gestão com participação. Estas diretrizes aparecem na implantação de dispositivos e estratégias como: Colégio Sindical, Colégio de Direção, Colégio de Profissionais de saúde, Comitês Consultivos Mistos, Comitês de Departamento e Comissão de Governo Clínico. (AZIENDA UNITÀ SANITÁRIA LOCALE DI RAVENNA, 2010a). OBJETIVO: A pesquisa que embasa o estudo teve como objetivo identificar e descrever os mecanismos de participação social na saúde, contextualizando as políticas existentes no Sistema de Saúde do Brasil e no Sistema de Saúde da Região da Emilia-Romana, na Itália, além de conhecer como acontece a participação social na saúde: os mecanismos existentes, sua implantação e em quais espaços. Também compõe o escopo de objetivos do estudo identificar quais atores sociais participam destes espaços. O Estudo estrutura-se em duas partes: uma primeira apresenta o contexto dos sistemas de saúde e da participação social nos dois países e a parte seguinte apresentará os dados da análise comparada propriamente dita, a partir de uma metodologia adaptada. Os estudos sobre a efetividade de dispositivos de participação social demonstram a variação na capacidade de vocalização dos diferentes grupos sociais e de interesse, com predomínio dos gestores e de algumas corporações de profissionais e prestadores de serviço, a tecnificação das pautas dos fóruns de participação e o esvaziamento de muitos deles. Ao mesmo tempo em que são visíveis inovações na organização dos sistemas locais, em particular em instituições em que há sensibilidade política dos dirigentes, ainda são reconhecidos limites na institucionalização efetiva da participação no país como um todo (CÔRTES, 2009). Ou seja, há visíveis avanços no aspecto legal e normativo, na criação de mecanismos e dispositivos de participação e em experiências isoladas de seu exercício, mais do que na participação como uma realidade concreta, mas a diretriz legal do sistema ainda não está plenamente implantada no país como um todo.ANÁLISE COMPARADA: OS SISTEMAS DE SAÚDE DO BRASIL E DA ITÁLIA. O conceito de sistemas de serviços de saúde é utilizado aqui em conceito distinto do conceito de sistemas de saúde. Entendendo por sistema de serviços de saúde as ações e serviços estatais, conveniados e ou contratados pelo poder público para atender as necessidades assistenciais de saúde de uma população e ou um determinado território que opera segundo diretrizes do componente público, quando formalmente vinculada a ele. O sistema de saúde inclui o componente da atenção, mas o supera, com ações de gestão, articulação intersetorial, políticas de financiamento, estratégias de interação com a sociedade civil, entre outras (FERLA, 2009). Aplicou-se uma metodologia de análise comparada, de caráter descritivo, que inclui a descrição do contexto dos sistemas de saúde: as reformas recentes, o contexto normativo, a organização do sistema de saúde e de serviços, as estratégias de participação social na gestão, conforme proposto por Conill (2006). Os casos em estudo também são tratados com uma abordagem de análise descritiva: caracterização das instituições, principais indicadores e caracterização da participação social. Inicia-se a apresentação dos resultados com a caracterização dos sistemas de saúde nos dois países. DISCUSSÃO: Apresenta e procura identificar e descrever os mecanismos de participação social na saúde, no Grupo Hospitalar Conceição, no Brasil e na Azienda Unità Sanitaria Locale de Ravenna, na Itália. Pode-se constatar, que ambos os sistemas, apresentam semelhanças desde sua criação tratando-se de políticas sociais voltadas à participação e existência de mecanismos de democratização e participação na área da saúde. Verifica-se este compromisso através da inclusão, nas duas Constituições e suas Leis regulamentadoras (1978/Itália e 1988/Brasil), que definem para o Estado o dever da tutela a saúde “como direito fundamental do indivíduo e de interesse da coletividade”. Ambos os sistemas de saúde instituíram o modelo universalista, e adotam como princípios e diretrizes a universalidade, equidade, igualdade de acesso, gratuidade, integralidade, e democratização. A existência de mecanismos de participação social na saúde foi identificada em ambos os sistemas e concretizam-se em diferentes espaços e fóruns de participação: No caso do sistema de saúde brasileiro, (Sistema Único de Saúde), entre os mecanismos de participação previstos pela legislação encontram-se os Conselhos de Saúde (Nacional, Estaduais e Municipais), nestes para fins de implantação a regulamentação e normatização define a participação dos usuários, trabalhadores e gestores de forma tripartite e paritária, onde predomina a representação dos usuários com cinqüenta por cento e dos demais com vinte por cento cada. No caso do sistema de saúde italiano, entre os mecanismos de participação previstos pela legislação encontram-se os Comitês Consultivos Mistos (CCM), nestes para fins de implantação, assim como no modelo brasileiro, existe apoio legal com regulamentação e normatização. Observa-se que os CCM, quanto a sua composição, a paridade não está destacada como de relevância para seu funcionamento, mas sim a integração das autoridades e dos trabalhadores organizados pelas profissões, ou seja, no mesmo grupo de representação do voluntariado encontram-se representados usuários/cidadãos e trabalhadores organizados em associações, um pouco maior de 50% e a representação dos gestores um pouco menor de 50% incluindo neste segmento os convidados permanentes (grupo técnico).Outro mecanismo estratégico presente nos dois sistemas são as Conferências de Saúde, onde aparecem como um dispositivo de planejamento, necessário e exitoso, principalmente na definição de diretrizes, elaboração dos planos de saúde, orientação e avaliação dos sistemas de serviços de saúde. Na composição quanto aos participantes das conferências constata-se, no caso brasileiro, assim como nos conselhos de saúde, que a representação dos usuários/cidadãos segue o critério paridade. Na experiência brasileira encontramos potencializada apesar de conflituosa a escuta por parte todos envolvidos (usuário/cidadão, trabalhador e gestor), e um número maior de participação do segmento usuário, ou seja, a conferência é um dispositivo que favorece o diálogo e a pactuação, assim como o controle da população sobre o estado e o sistema de saúde.No caso da experiência italiana, a composição dos participantes, assim como nos CCM, aparenta priorizar a representação do conjunto de autoridades locais, o que pode indicar uma preocupação com espaços de integração e planejamento pactuado, ou seja, a conferência aparece como um potente dispositivo de integração e pactuação entre os gestores, mas não demonstra a mesma potência para a participação da sociedade, uma vez que são reduzidas ou nulas as possibilidades de inserção de usuários nesses fóruns. Essa participação ocorre como manifestação de opiniões através de pesquisas de opinião e ouvidorias.Com relação à permeabilidade às decisões e deliberações, dos diferentes fóruns e colegiados existentes em ambas instituições, identifica-se existir alguma porosidade a iniciativas democráticas na gestão. Também observa-se a presença de mecanismos participativos para incorporação de inovações tecnológicas ou novas tecnologias. No GHC os colegiados na sua composição estão organizados por equipes multidisciplinares, ou seja, participam destes espaços todos os trabalhadores do setor e ou delegados representantes dos serviços. Também possui comissões técnicas específicas que atuam como instrumentos estratégicos de apoio à gestão da atenção. Na AUSL RA os colegiados estão organizados por grupos de profissionais preferencialmente com formação universitária e mesma área ou aqueles com maior potencialidade no apoio à gestão da atenção através de consultorias técnicas. Os demais fóruns são Colegiados de Direção constituídos por gestores dos serviços ou representação de autoridades locais.Ambas instituições apresentam entre suas diretrizes a ressignificação do trabalho como elemento de resgate da auto-estima, valorização do trabalho e de inclusão dos trabalhadores nos processos de decisão, e também possuem programas e políticas de educação permanente e qualificação para os trabalhadores. O GHC oferece diferentes espaços de participação, nos quais a normatização e regulamentação destes espaços necessitam de aperfeiçoamento. A diversificação de dispositivos encontrados e a participação de diferentes sujeitos, bem como a inovação do planejamento dos investimentos compartilhado por usuários, trabalhadores e gestores mostram a potencialidade e compromisso com a democratização da gestão e da atenção ofertada. A AUSLRA, também possui diferentes espaços de participação nos quais encontra-se a valorização de estruturas formais, orientadas por normas e regulamentos de funcionamento e organização dos processos. Observa-se aparentemente dificuldade de constituir espaços e dispositivos mais diversificados ou que contemple a participação dos diferentes sujeitos implicados com os usuários, trabalhadores e gestores. Ambas as instituições tem a transparência como diretriz e apostam na Informação como dispositivo estratégico para a gestão. Nota-se que os dados e estatísticas estão disponíveis nos respectivos site, e a existência de diferentes materiais informativos e de comunicação como o Relatório Social, no GHC e o Balanço de Missão (“Bilancio di Missione”), na AUSL. Constatamos que estas ações demonstram a preocupação com uma política de comunicação inclusiva, com sensibilidades e olhares para a diversidade étnica, racial, cultural e de gênero existente no Brasil e na Itália. Cabe destacar que no material da AUSLRA os textos além do idioma italiano contemplam o idioma falado pelos imigrantes residentes no território. O material institucional do GHC apresenta a inclusão do contexto local e dos sujeitos implicados no processo, bem como a preocupação com a diversidade racial brasileira e as questões de gênero. Constata-se que ambas as instituições inovaram com a inclusão de dispositivos de democratização e estratégias de transparência, o que no caso de gestão de serviços de sistemas de saúde pode-se perceber o compromisso dos gestores das instituições com a descentralização da gestão e implantação de mecanismos verdadeiros de participação social, ou seja, observa-se a existência de permeabilidades e flexibilidade para inovações relacionadas a democratização da gestão e da atenção na saúde.REFERÊNCIASBRASIL. Lei n° 8.142/90. In: RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Estado da Saúde. SUS é legal: legislação federal e estadual. Porto Alegre: SES/CES, 2000.BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. In: RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Estado da Saúde. SUS é legal: legislação federal e estadual. Porto Alegre: SES/CES, 2000.CÔRTES, S. M. V. Viabilizando a participação em conselhos de políticas públicas municipais: arcabouço institucional, organização do movimento popular e policy comminities. In. FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Políticas públicas no Brasil, Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2007. p.125-143.FERLA,A.A. Saúde suplementar nas regiões Norte e Sul: estudos multicêntricos integrados sobre modelagem assistencial e integralidade do cuidado. Relatório de Pesquisa. Porto Alegre: UFRGS. Escola de Enfermagem, 2009.FERLA, AA., POSSA, LB.; ARMANI, TB.; SCHAEDLER, LI.; CÔRTES, SMV.. Mecanismos de participação em hospitais do Ministério da Saúde. In: CÔRTES, S.M.V. (Org.). Participação e saúde no Brasil. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2009. p. 177-198.REPUBBLICA ITALIANA. Regione Emília-Romagna. Assessorato Allá Sanità. 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