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A DISPUTA ENTRE PÚBLICO E PRIVADO NA COBERTURA JORNALÍSTICA SOBRE O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
Resumo
Os profissionais de comunicação são mediadores das informações de saúde para a população. Frequentemente as notícias sobre o Sistema Único de Saúde abordam apenas o aspecto negativo, especialmente as deficiências do acesso aos usuários. As diretrizes para um sistema de qualidade, focado na promoção de saúde preventiva e de acesso universal, construídas a partir do debate com a sociedade, pouco são exploradas. A participação da imprensa como agente de construção desse sistema público de saúde demonstra ser pouco ativa, ficando apenas como figura de fiscal de serviços eventuais, sem contribuir para o debate efetivo que auxilie no aperfeiçoamento do sistema. Para compreender tal postura da imprensa, foi pesquisado na literatura se a tendência dos seus profissionais reportarem negativamente o Sistema Único de Saúde no momento da produção de notícias sobre o SUS parte de uma relação tensa entre os conceitos de público e privado, tal como são por eles compreendidos. A intenção foi buscar elementos que ajudem a identificar se essa visão pessimista sobre a saúde pública pode partir do próprio imaginário dos profissionais de comunicação ou se estão embasadas no próprio campo da saúde, reforçada pelos gestores e profissionais que prestam o cuidado em hospitais, clínicas e postos.A escolha da análise dos conceitos de público e privado pode ajudar a entender como eles são entendidos e reproduzidos quando o assunto é saúde.A responsabilidade da imprensaO jornalista acaba, em muitos momentos, reproduzindo imagens preconcebidas que nem sempre retratam os contextos que constituem a saúde pública no Brasil. Outra questão importante sobre a cobertura da mídia está no foco do público para qual os assuntos são direcionados. Há uma forte tendência a privilegiar as elites, o que também reforça o aspecto privado utilizado por essas camadas da população. Além disso, a falta de convivência com a realidade das periferias aumenta o abismo com as classes menos desfavorecidas. Como procura se referendar em dados repassados pelas fontes como garantia de credibilidade e de respaldo à veracidade da informação, a mídia dá importância ampla a dados técnicos e estatísticos, especialmente de áreas que não domina, como a da saúde. Tal postura, no entanto, resulta na ressonância de discursos hegemônicos da área da saúde por descartar o questionamento ou mesmo como justificativa para defender interesses econômicos que possam beneficiar algum setor produtivo afetado por uma informação de saúde. A própria análise teórica do jornalismo foi divida durante muitas décadas entre o foco entre público e privado quanto à estrutura de poder da sociedade e os valores das relações com o público e a sociedade.A mídia usa os conceitos de público como forma de apreender o coletivo que consume seus produtos. Mas como forma de cativar e envolver o receptor das notícias e do entretenimento, o que se quer mesmo é fortalecer o individualismo, de modo a estimular os desejos de cada um para o consumo. A mensagem sempre é para as massas, para atingir o maior grupo possível, mas o consumo desse produto é estimulado para que seja deglutido como único e exclusivo, como algo feito com a cara dele.A responsabilidade da saúdeA pesquisa bibliográfica apontou no entanto, que no próprio campo da saúde também há indícios de que o privado é preterido em relação ao privado. A implementação do Sistema Único de Saúde, criado a partir da Constituição de 1988, procurou garantir o acesso e os direitos à saúde, reservando esses serviços como essenciais para a população e responsabilizando o Estado por garantir a assistência. No entanto, também abriu espaço para a consolidação dos serviços privados complementares, realizados mediante o estabelecimento de contratos e convênios.O problema é a falta de regulação nas relações público-privadas que leva à multiplicação de novas formas de articulação com terceirizações, fundações e cooperativas. O sistema também carece avançar e romper distorções relacionadas ao modelo anterior. Em muitos locais há superposição e excesso de oferta de algumas ações enquanto há insuficiência de outras, demonstrando pouca integração entre serviços.Público e privado Os processos de gestão da saúde pública no Brasil até a década de 1950 estavam focados apenas nas decisões de governo, que pensavam a saúde pública como algo atrelado ao trabalho, para melhoria do rendimento do trabalhador. A partir da década de 1960, os interesses do mercado passaram a nortear mais intensamente o setor, que investiu pesado na comercialização de produtos e serviços, buscando estimular o consumo de soluções que não estavam sendo disponibilizadas pela rede pública. Mas quem não tinha acesso a esses serviços ficava sem alternativas, recorrendo a práticas populares que eram fortemente desacreditadas pelos sistemas oficiais. A disputa entre público e privado é reforçada pelo pensamento político moderno que faz uma dicotomia entre o domicílio x rua, o indivíduo x coletivo para questões mais amplas como os espaços na sociedade. Quanto ao modelo de saúde defendido pela mídia, há uma ênfase para os mecanismos da assistência suplementar que apresentam elementos de mercado, operando a relação custo/efetividade, alterando a lógica de produção do cuidado, além de reforçar a imagem de ineficiência e da oferta de serviço de baixa qualidade de difícil acesso pelo serviço público. Com isso, o serviço privado acaba ganhando argumentos para sustentar sua existência e a sua necessidade como um bem a ser consumido pela população que pode pagar por esses serviços. A construção coletiva que deu origem ao SUS garantiu a possibilidade de saúde gratuita e de qualidade a todos, independente de contribuição. Porém esse conceito não foi amplamente absorvido, nem pela maioria das organizações de saúde, nem pelos usuários, muito menos pela imprensa. A defesa do atendimento hospitalar está presente nas reportagens porque entre os profissionais de saúde também há uma forte tendência de valorizar o serviço privado seja como defesa de mercado ou por conta do conceito de depreciação do serviço público.