Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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O SUS e as Políticas Públicas de Saúde: trabalhando em rede.
Giovana Ely Flores, Maria Rejane Rosa dos Santos

Resumo


No cenário atual da saúde, existem conflitos nos espaços de cuidado que evidenciam a dificuldade dos profissionais da saúde em realizarem a transição entre modelos de atenção e educação em suas práticas cotidianas, considerando a emergência do Sistema Único de Saúde (SUS) e de seus princípios orientadores. Como exemplo desses conflitos, pode-se apontar o despreparo dos profissionais para estenderem seus olhares para além da técnica e desenvolverem ações cuidadoras mais abertas e reflexivas, com base no conceito ampliado de saúde, e, portanto, mais próximas do propósito de promover a integralidade do cuidado e da formação em saúde. Para dar conta da necessidade de reorientação da formação de trabalhadores da saúde, na lógica proposta pelo SUS, o Ministério da Saúde (MS) regulamentou, em 2004, a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS) propondo uma mudança substancial na lógica da formação em serviço para capacitação dos profissionais da enfermagem. A partir de 2005 o Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) adotou a PNEPS como orientadora das ações educativas desenvolvidas em serviço para os seus trabalhadores. Nesta perspectiva, as ações passaram a serem planejadas de modo mais participativo, ampliando-se os espaços de diálogo e dando-se maior ênfase às necessidades referidas pelos trabalhadores de enfermagem. O presente relato descreve uma das ações educativas desenvolvida pelo Serviço de Educação Permanente em Enfermagem (SEDE), junto às equipes de enfermagem do Serviço de Saúde Pública (SESP) e do Serviço de Onco-Hematologia (SEOH) do hospital em questão, partindo das necessidades demandadas pelas referidas áreas. Cabe ressaltar que a relevância desta ação não se resume a abordagem do tema SUS, mas por tratar-se de áreas que atuam no cuidado em oncologia e atenção primária em saúde, aí incluído todas as questões do ambulatório que fazem parte do SESP, há a necessidade emergente de investimentos educativos no sentido de tornar visível, ações, programas e políticas publicas que de alguma maneira atendam estas especificidades de atenção em saúde. Outro nó crítico neste contexto se refere, em grande parte, a escassa participação profissional em momentos de atualização e apropriação teórica acerca dos conceitos que hoje estão contemplados na proposta do SUS e a formação em saúde que pouco discute esta temática em seus currículos. Esta ação foi desenvolvida pelas enfermeiras do SEDE que realizam a interface com os referidos serviços e as enfermeiras facilitadoras de ações educativas de cada serviço. Essas enfermeiras desenvolvem atividades assistenciais nas áreas de enfermagem e dedicam parte de sua carga-horária semanal representando os serviços na interface com o SEDE e no desenvolvimento de atividades de educação permanente junto aos trabalhadores da enfermagem. O HCPA está vinculado academicamente à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), sendo considerado como referência nacional em várias especialidades, inclusive agrega em sua estrutura uma Unidade Básica de Saúde, que estabelece a interface com a rede municipal. Neste contexto, a ação, objeto deste relato, foi denominada como uma capacitação de atualização das equipes em relação às Políticas Públicas de Saúde no contexto do SUS a partir da qual foi possível problematizar questões do cotidiano de cuidado nestes locais, que envolvem a relação da instituição com a rede de saúde. O panorama da saúde pública hoje nos convoca, enquanto produtores e consumidores em saúde, a refletir sobre as interfaces da rede, as trajetórias dos usuários, e as estratégias que individual ou coletivamente eles utilizam para ter acesso à saúde; um bem considerado como vital para o indivíduo. Nesta perspectiva, esta ação educativa objetivou provocar a reflexão crítica do profissional sobre seu processo de trabalho enquanto trabalhador do SUS, e vislumbrar a possibilidade de ampliação do conhecimento sobre as questões que envolvem a interrelação do HCPA e a rede de saúde, no âmbito municipal e estadual, destacando os papéis profissionais nesta trama. A capacitação ocorreu em seis encontros distintos, com o intuito de proporcionar horários para a participação dos profissionais, tendo a proposta de grupos menores, para promover a problematização das questões pertinentes ao tema. Cada encontro foi desenvolvido em três hora e meia, tendo como ação inicial a apresentação de um filme que aborda a história das Políticas de Saúde no Brasil, no último século; e, num segundo momento houve a participação da representante da Central de Regulação de Leitos do município de Porto Alegre, que falou da sua experiência e dos avanços referentes ao fluxo, acesso e resolutividade das demandas em saúde. Também neste momento houve a contribuição de colegas do HCPA que estão inseridas na área da chefia administrativa, regulação de leitos e interface com a Central de Marcação de Consultas Especializadas (CMCE), vindo a enriquecer as discussões posteriores no grupo. Nas discussões os profissionais puderam colocar suas experiências relativas ao cotidiano do trabalho, explicitando também seus sentimentos, dificuldades relativas à prática em si, mas também, enfatizaram as dificuldades do usuário em acessar o sistema. A partir da construção coletiva dos grupos foi possível pensar possibilidades que pudessem dar conta das necessidades tornadas visíveis a partir da problematização destas questões. Esta experiência tornou possível um diálogo explícito entre as práticas e as proposições que sustentam as ações de cuidado nestas áreas do conhecimento, favorecendo a relação entre os profissionais e o usuário, no sentido de valorização da escuta e reflexão sobre a ação. Estas proposições vêm ao encontro da proposta da PNPES que aposta na transformação das realidades a partir da corresponsabilização dos trabalhadores nos seus processos de trabalho gerando novos arranjos assistenciais, gerencias e mudanças na modelagem pedagógica instituída. Neste sentido a experiência serviu para reflexão e proposição de estratégias renovadas no âmbito do trabalho, forjando espaços dialógicos e de problematização, aproximando desta maneira o “real” vivenciado no cotidiano dos serviços do “ideal” de saúde que todos, trabalhadores e usuários, almejam, considerando para tanto a integralidade do cuidado. A oportunidade de aproximar as práticas institucionais de gestão e educação à proposta da educação permanente tem produzido melhorias para o cotidiano da instituição a partir destas iniciativas inovadoras, especificamente na adoção de uma nova modelagem educativa, tornando assim o processo de cuidado mais sensível e seguro. Além disso, esta ação, fomenta o protagonismo do trabalhador em relação ao seu papel enquanto cuidador e cidadão implicado com seu trabalho. Tendo em conta os resultados positivos desta ação, outras propostas educativas semelhantes estão sendo implementadas no hospital em questão, pelo SEDE em parcerias com o SESP, como a realização de um fórum HCPA e a Rede de Saúde Municipal, objetivando revisar o fluxo de atendimento ambulatorial aos usuários, e oportunizar que os profissionais possam dialogar sobre esta temática, desvelando os limites e possibilidades de uma prática integradora.