Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


Tamanho da fonte: 
Prevalência de Violência Física entre Parceiros Íntimos entre mães de crianças menores de 6 meses atendidas em Unidades Básicas de Saúde no município do Rio de Janeiro
Aline Gaudard e Silva, Claudia Leite Moraes

Resumo


IntroduçãoÉ cada vez mais reconhecido que a violência física entre parceiros íntimos (VFPI) representa um importante problema de saúde pública no nível global. Prevalências elevadas têm sido evidenciadas tanto em estudos internacionais quanto no Brasil. No primeiro e maior estudo nacional sobre o tema, realizado em 15 estados e no Distrito Federal, as prevalências de VFPI menor e grave foram de 21,5% e 12,9%, respectivamente.A magnitude da VFPI também é elevada durante a gestação e nos primeiros meses após o parto, períodos críticos tanto para a saúde da mulher quanto para a saúde da criança. No Brasil, estudo conduzido com mães de crianças de até 5 meses de idade atendidas em 5 Unidades Básicas de Saúde (UBS) no município do Rio de Janeiro em 2007, estimou em 16,2% a prevalência de VFPI após o parto.A relevância desse problema aumenta consideravelmente à luz de suas consequências, que atingem não só os pares envolvidos, como também suas famílias e a comunidade onde se inserem. Pesquisas recentes desenvolvidas pelo programa de investigação onde este estudo foi produzido têm evidenciado sérias consequências da VPI à saúde materno-infantil, como sangramentos e reduzido ganho de peso materno durante a gestação, início tardio do cuidado pré-natal, depressão pós-parto, desmame precoce, desnutrição infantil, atraso e inadequação do acompanhamento da criança nos serviços de atenção básica à saúde.Apesar de tantas repercussões na saúde de mães e bebês e do crescente número de publicações sobre o tema no contexto internacional, no Brasil, as informações sobre a magnitude da violência na gestação e especialmente nos primeiros meses após o parto ainda são baseadas em um pequeno número de pesquisas.ObjetivosEstimar a prevalência e os grupos mais vulneráveis de Violência Física entre Parceiros Íntimos (VFPI) nos primeiros seis meses após o parto entre mães de crianças menores de seis meses de idade assistidas em Unidades Básicas de Saúde do Rio de Janeiro.MétodosTrata-se de um estudo transversal com 927 crianças nos primeiros seis meses de vida cujas mães relataram ter companheiro na ocasião da entrevista dentre aquelas que buscaram consulta pediátrica ou de puericultura em 27 Unidades Básicas de Saúde (UBS) do SUS no Município do Rio de Janeiro entre junho e setembro de 2007. Para a seleção das participantes foi realizada uma amostragem por conglomerado em dois estágios. As UBS – unidades primárias de amostragem – foram amostradas com probabilidade de seleção proporcional ao volume de consultas pediátricas realizadas conduzindo a uma amostra geograficamente representativa do município. As crianças – unidades secundárias de amostragem – foram selecionadas de forma sistemática, obedecendo à ordem de saída das consultas.As entrevistas foram realizadas após a consulta pediátrica, sem a presença do parceiro íntimo e garantindo-se a privacidade materna com relação às demais mães que aguardavam atendimento, utilizando-se um questionário estruturado, pré-testado e avaliado em estudo piloto.As informações sobre a ocorrência de VFPI desde o nascimento da criança até a data da entrevista foram obtidas através da utilização da versão em português do instrumento Revised Conflict Tatics Scales (CTS2), adequadamente adaptado para uso no Brasil. Foram consideradas em situação de VFPI as mulheres que responderam de forma positiva a pelo menos um dos 12 itens da escala de violência física, referentes à violência perpetrada pela mulher e/ou pelo companheiro.O programa Stata 12.0 foi utilizado para a análise. Testes exatos de Fisher foram utilizados para verificar as diferenças de prevalência de VFPI nos subgrupos populacionais, consideradas estatisticamente significativas quando o p-valor foi menor do que 0,05.O estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da ENSP/Fiocruz e da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro. Os dados foram colhidos mediante assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido. Todos os demais procedimentos estiveram de acordo com a Declaração de Helsinque.Resultados30% [IC95%: 26,2-33,8%] das mulheres relatou ter se envolvido em pelo menos 1 ato de violência física com seu parceiro íntimo, como vítima ou autora, desde o nascimento da criança até o momento da entrevista. A proporção de mulheres que relataram violência física grave foi de 14% [IC95%: 11,0-17,0%]. A violência cometida pela mulher (25% [IC95%: 21,1-28,9%]) foi mais frequente do que aquela cometida pelo homem (18,3% [IC95%: 15,3-21,2%]). A prevalência de violência física foi 37% maior quando as mulheres eram as autoras, diferença que aumentou para 42% ao se considerar a violência física grave.A VFPI ocorreu principalmente entre mães adolescentes, que não viviam com o companheiro, se autorreferiam negras e moravam em domicílios com mais de uma criança menor de 5 anos. Mulheres com menor escolaridade e que possuíam emprego informal ou não trabalhavam também foram mais frequentemente envolvidas. Quantoaos aspectos relacionados à saúde materno-infantil, as diferenças entre os subgrupos com relação à violência física total e violência física menor não se mostram estatisticamente significantes, embora em algumas situações os p-valores tenham assumido valores limítrofes. Já ao se considerar os abusos graves, estes ocorreram predominantemente entre mulheres que não haviam feito pré-natal ou que haviam feito o acompanhamento de forma inadequada e entre aquelas que tinham comparecido a menos de 4 consultas pré-natais. A prevalência de VFPI grave também foi maior entre mães de crianças que não estavam em aleitamento materno exclusivo e entre aquelas que relataram ter dificuldade para ir à UBS.ConclusõesCaracterísticas relacionadas a maiores frequências de abusos devem servir aos profissionais de saúde como eventos-sentinela para a suspeição de violência conjugal, ou seja, ponto de partida para abordagens mais detalhadas com a utilização de instrumentos específicos para rastreamento da violência e/ou com o acompanhamento da família por outros serviços. Nesse sentido, o conhecimento de que falhas no cuidado pré-natal, na amamentação e na utilização do serviço de saúde podem sinalizar a ocorrência de violência pode ser bastante promissor nas ações de detecção da VPI em serviços de assistência à criança, já que estas são questões rotineiramente apreciadas pelos profissionais. Contudo, estratégias de enfrentamento da violência não devem se restringir a nenhum subgrupo populacional, pois muitos casos não possuem o perfil comumente descrito como de maior risco.A ampla magnitude da violência entre o casal encontrada reforça o que já vem sendo aclamado por pesquisadores da área – a necessidade de enfrentamento imediato do problema. Os serviços de saúde são locais estratégicos para detectar riscos e identificar os casos de violência familiar, uma vez que a procura por serviços especializados, como Delegacias de Proteção à Mulher e Conselhos Tutelares, ainda é bastante estigmatizada. As oportunidades de rastrear situações de violência durante o pré-natal e no início da vida da criança são ainda maiores, pois os contatos da mulher com profissionais de saúde ocorrem com maior frequência do que em outros períodos de vida. Desta forma, é fundamental que os profissionais de saúde que atuam junto às famílias durante estes ciclos de vida estejam sensibilizados à questão da violência promovendo um ambiente seguro e acolhedor, favorável a revelação da situação.Diante da complexidade do problema, é importante que os serviços de assistência à saúde materno-infantil estejam articulados a outras redes de apoio e os profissionais de saúde, preparados para lidar com o problema de forma adequada. Nesse contexto, entende-se que é preciso depositar esforços na execução de estratégias e políticas que já vem sendo elaboradas há algum tempo, tendo em vista a redução da violência e a promoção da saúde no seu sentido mais amplo.Fontes de financiamentoFAPERJ, Papes/Fiocruz e CNPq.