Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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A PEDAGOGIZAÇÃO DO CORPO ADOLESCENTE E O CORPO “MAL EDUCADO”
Ana Lúcia Santos Silva

Resumo


Em recente pesquisa de mestrado em Psicologia (UFPA), interroguei o processo de subjetivação de adolescentes brasileiros a partir dos discursos de documentos do UNICEF. Dentre as séries discursivas recortadas e problematizadas no estudo, destaca-se o dispositivo de sexualidade, discutido a partir de sua articulação com a infância, a adolescência, a identidade e a gestão da população (SILVA, 2011). As tecnologias de poder no século XIX tiveram o dispositivo de sexualidade como um dos mais importantes aliados na gestão da vida, cujo objetivo era, ao mesmo tempo, o controle do corpo e a regulação da espécie, denominado por Foucault (1998) de bio-poder. Nessa era de poder sobre o corpo, a sexualidade passou a ser foco de disputas políticas, e ao mesmo tempo, era tida como “segredo”, ficando restrita a um grupo de especialistas, sobretudo, a sexualidade e o corpo feminino. Autores como Del Priore (2009), Giddens (1993), Brown (1990) e Le Breton (2003) realizaram interpretações valiosas que acrescentam e tencionam as construções empreendidas por Foucault. Giddens propõe pensar a “era da sexualidade” em uma estrutura interpretativa diferente. Para o autor, a ênfase dada por Foucault recaiu demasiadamente na sexualidade, em detrimento do “gênero sexual”. Na atualidade, busca-se um estilo de vida que atenda às “novas” performances. Porém, estas nem sempre atendem às normas prescritas, fazendo com que esse corpo seja então considerado como “um corpo mal educado”. Esse não atende às recomendações paradoxais de um mundo dito moderno, em termos de tecnologia digital (faceboock, youtube,etc.,) e “antigo”, em termos de interpretação desse mesmo corpo, ou do uso que se faz dele. O instigante estudo de Almeida e Tracy (2003) fala da “geografia da Nigth”, destaca o processo de formação de subjetividades mediadas por tecnologias diversas, nos apresenta os espaços de sociabilidades frequentados por jovens de classe média alta do Rio de Janeiro. Quanto ao uso de ferramentas como youtube, por exemplo, o que se percebe é que parece haver uma espécie de “apelo” cibernético ao uso de um corpo que as prescrições e fala dos especialistas, não têm dado conta. E esse corpo, “mal educado”, insiste em se mostrar para além dos muros, insiste em revelar “algo”. Com um aparelho celular, por exemplo, se produz e se exibe performances sexuais de jovens em tempo real, como ocorrido em uma escola em Belém/PA, que virou “um caso de polícia”. Segue a manchete: “vídeo de sexo de estudantes abala escolas em Belém[1]. “A direção disse que ficou surpresa com o comportamento dos jovens envolvidos no caso, que eram considerados bons alunos. ‘Não há clima para esses alunos permanecerem na escola’”[2]. Há também: “o mais de praxe hoje na escola é fazer um trabalho de sexualidade”.[3]. Sabe-se que os acontecimentos envolvendo performances sexuais de jovens vêm ganhando cada vez mais visibilidade e demandando a intervenção de especialistas como psicólogos, pedagogos, médicos, policiais e gestores responsáveis por gerir uma sexualidade que, ao que tudo indica, não mais pede autorização para se expressar ou não quer mais corresponder ao ideário de “bons alunos”, ou de “alunos educados”. O corpo parece pedir passagem! Então, uma primeira questão que se coloca é: o que esse corpo quer dizer de si? O quadro existente no decorrer do século XIX propiciou a produção da sexualidade como dispositivo biopolítico e demarcou o seu exercício. É dessa forma que a sexualidade se constitui como um dispositivo histórico. E sob esse dispositivo, vão sendo produzidos personagens identificados como: o sádico, a mulher nervosa, o homossexual, a criança masturbadora, o adolescente dotado de um “turbilhão de hormônios”. Portanto, discutir a categoria sexualidade e em particular, suas conexões com adolescência/identidade/performatividade, constitui um debate necessário para pensarmos a construção dessa categoria e seus atravessamentos, permitindo-nos estranhar diante de questões que têm tido respostas fechadas, indagando qual o referencial de “bom” uso do corpo, da sexualidade, ir ao encontro desse jovem, dessa potência de vida. Historicizar essa construção, ouvi-los nas suas demandas de desejar o que lhes têm sido prometido na grande vitrine. Dessa forma, apontam-se aqui algumas questões que têm se apresentado como problema de pesquisa futura: os profissionais, os acadêmicos, os que “lidam” com os jovens, têm dado conta de realizar discussões outras que não as apontadas acima? Têm se buscado ouvir o que “esse corpo” tem para falar? Há quantas anda essa discussão? Orienta-se que os “que lidam” com os jovens, sobretudo, “pobres” precisam estar ‘preparados’ para abordar e intervir em casos como “gravidez precoce”, uso de drogas, DST´s/AIDS; demandas produzidas como sendo de um dado seguimento social. O que geralmente têm se apresentado, são “pacotes” prontos para serem “transmitidos” a estes, que sendo de camadas “populares”, necessitam de discussões dessa natureza. Ao mesmo tempo, percebe-se que as demandas dos jovens parecem não caber nos “kits-juventude” dos especialistas em sexualidade. Relacionar adolescência e sexualidade, não seria uma forma de estes apropriarem-se do objeto adolescência? Quando a gravidez é precoce? A quem interessa a gestão do corpo adolescente? O que pode uma sexualidade adolescente? O que solicita um corpo adolescente? O que dizem os adolescentes a respeito de sua própria “sexualidade”. Como percebem e interpretam o que lhes dizem a esse respeito? Trilhas, pistas e fluxos... A combinação de perspectivas teóricas e metodológicas advindas das Ciências Sociais, da História, Filosofia e Psicologia Social e Institucional, apontam uma frutífera produção de conhecimento sobre a temática aqui discutida, pois tal investigação necessita de um olhar, um ouvir e um escrever pluridisciplinar. A “Pesquisa GRAVAD” como referencial teórico e metodológico relevante, parece apontar em direção às perguntas aqui colocadas, sobre o que chamo de pedagogização do corpo adolescente e o “corpo mal educado”. Assim como autores que têm discutido os efeitos destes discursos nos corpos “indóceis”, tais como: Mauss (2003); Costa (1983); Judith (2003); Motta-Maués (1993); Piscitelli, Gregori e Carrara (2004). Seguindo estas pistas metodológicas é que se tem pensado em um estudo sobre adolescência e sexualidade, a fim de problematizar as construções aqui apresentadas, sobretudo, sobre esse “corpo mal educado”. Com o ajuda da etnografia, realizar observações in loco, repensar o que foi produzido como “exótico”, fazer novas perguntas para algo que, aparentemente, já está respondido, atentando para o que nos indica Velho (1978), ao afirmar que a realidade, seja “familiar” seja “exótica” deve ser relativizada, pois é atravessada por componentes ideológicos e interpretativos. Experienciar a dimensão existencial, apontadas por Da Matta (1978) no “ofício de etnólogo”, e dessa forma “ouvir os anthropological blues”. Acredita-se que um estudo sobre os efeitos dos discursos dos “especialistas em sexualidade”, poderá trazer novos subsídios para o refinamento das questões aqui consideradas, tentando ouvir os jovens a respeito do que lhes dizem sobre seus corpos e seus desejos maquínicos, sem pacotes ou “kits sexualidade”. Investigar o que têm para dizer de si, de sua sexualidade. Com a ajuda da cartografia, acompanhar os processos em curso, se deixar levar por um campo coletivo de forças. Aproximar a cartografia da etnografia como sinaliza Passos (2010), e de posse de um diário de campo, registrar as “miudezas” e sutilezas dos movimentos em curso. Com um diário a bordo, habitar os territórios onde os jovens circulam, se movimentam. Extrair pistas de suas performances e produzir novos mapas de afetos nesse campo. [1]Http: //www.saladamix.com/2009/10/27/reportagem-ulysses-guimaraes-polemica-do-sexo-oral-no-banheiro_globonews/. Acesso em: 03/10/2011. [2]Http: //g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL1351871-5598,00-VIDEO+COM+CENAS+DE+SEXO+ENTRE+JOVENS+CAUSA+POLEMICA+EM+ESCOLA+DE+BELEM.html. Acesso em: 03/10/2011. [3] http: //tvig.ig.com.br/noticias/educacao/alunos+fazem+sexo+em+escola+de+belem-8a49800e2b4a9e15012b4bd352682bee.html. Acesso em: 03/10/2011.