Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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Avaliação da Aprendizagem na Educação Profissional: um estudo da Escola Técnica do SUS "Profª. Ena de Araújo Galvão"
Sílvia Helena Mendonça de Moraes

Resumo


1 INTRODUÇÃO No campo da saúde no Brasil, as Conferências Nacionais de Saúde tiveram um papel importante na discussão sobre recursos humanos, principalmente quanto à capacitação dos trabalhadores de nível fundamental e médio. A 3º Conferência Nacional de Saúde, em 1963, por exemplo, além de denunciar a falta e a má distribuição dos trabalhadores da saúde, apontava a necessidade de se ter um planejamento na capacitação dos mesmos. A 4ª. Conferência, em 1967, visava uma política permanente de recursos humanos na área da saúde, com discussão do perfil do profissional demandado e das estratégias de capacitação (PEREIRA; RAMOS, 2006). Pereira e Ramos (2006) ressaltam que, nesse período, a formação de pessoal de nível médio e elementar da saúde era considerada como uma estratégia importante para que esses trabalhadores pudessem substituir os profissionais de ensino superior nas regiões onde havia falta desses profissionais. Contudo, segundo as autoras, essa estratégia não contribuiu para um melhor atendimento das necessidades de saúde da população. Na década de 1970, foram criados os Programas de Extensão de Coberturas (PECs), como os Programas de Preparação Estratégica de Pessoal da Saúde (PPREPS), com o objetivo de preparar trabalhadores por meio de um processo de qualificação de pessoal de nível fundamental e médio, para extensão de cobertura das ações de saúde, atendendo às necessidades das regiões; e o Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS), que utilizava, para as ações de saúde específicas, o pessoal de nível auxiliar da própria comunidade (PEREIRA; RAMOS, 2006). Na década de 1980, foi criada uma importante estratégia de formação do pessoal da saúde, o Projeto de Formação em Larga Escala. Idealizado pela enfermeira Izabel dos Santos, esse projeto era um acordo interinstitucional entre o Ministério da Saúde, o Ministério da Educação e a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), que tinha como objetivo principal “qualificar profissionalmente pessoal de nível médio e elementar, que estava atuando nos serviços públicos de saúde e que não tivera oportunidade de escolarização” (GRYSCHEK et al, 2000, p. 196). Para a implantação do Projeto Larga Escala, deveria ser constituída, em cada estado, uma Escola Técnica ou Centro Formador de Recursos Humanos em Saúde, reconhecido pelo sistema de ensino. Segundo Pereira e Ramos (2006), essas escolas ou centros formadores cumpririam duas funções: uma administrativa – fazendo registro de matrículas, emitindo certificados, entre outras atividades-, que forneceria as condições formais de validade, e outra pedagógica, preparando os supervisores-instrutores da rede de serviços, elaborando e fazendo a seleção de material educativo, acompanhando e avaliando o aluno e o processo como um todo (p. 38). Desde a sua concepção, essas escolas de formação profissional, hoje, Escolas Técnicas do Sistema Único de Saúde (ETSUS), rompem com os pressupostos da escola regular, pois elas deveriam ir até o ambiente de trabalho do aluno/ trabalhador, buscando atender as necessidades dessa clientela e dos gestores municipais (CASTRO; SANTANA; NOGUEIRA, 2002). Além do Projeto Larga Escala, outro de repercussão nacional na formação de pessoal de nível fundamental e médio na saúde foi o Projeto de Profissionalização de Auxiliar de Enfermagem – PROFAE. Esse projeto promoveu não só a formação do auxiliar e do técnico em enfermagem, como também teve o objetivo de promover a escolarização dos trabalhadores de enfermagem para conclusão do ensino fundamental. (BRASIL, 2002). Um projeto nacional que também mobilizou as Escolas Técnicas do SUS foi a formação inicial dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS), em 2005, pois envolveu profissionais do serviço (principalmente enfermeiros, que eram os instrutores), e um número expressivo de ACS, atendendo à demanda de qualificação mínima dessa nova categoria de trabalhadores da saúde. No estado de Mato Grosso do Sul, a ETSUS “Profª. Ena de Araújo Galvão” tem como missão a formação e qualificação de trabalhadores de nível médio do SUS, com o oferecimento de cursos de formação profissional inicial e continuada, e de formação técnica. Sendo a grande maioria dos alunos formada por trabalhadores do SUS, procura-se propiciar a aproximação da realidade do trabalho vivenciada pelo aluno ao seu processo de aprendizagem, priorizando o uso de metodologias ativas. Quanto à avaliação, há nos projetos de cursos informações que estabelecem parâmetros para se construir dados sobre as aprendizagens dos alunos de modo coerente com os pressupostos metodológicos adotados por essa ETSUS. Entretanto, a ausência de um espaço capaz de permitir aos professores reflexão sistematizada sobre esse processo faz com que a avaliação seja realizada isoladamente, sem um acompanhamento sistemático coletivo para saber se ela atende aos seus propósitos. Pensamos que as concepções de formação técnica dos trabalhadores da saúde estão relacionadas às formas de conceber os processos de aprendizagem desses trabalhadores e, conseqüentemente, aos modelos de avaliação da aprendizagem dos mesmos. Assim, avaliar alunos trabalhadores não pode ser apenas aferir se eles assimilaram ou não os conhecimentos, mas como eles podem utilizá-los no seu fazer profissional. Como então a avaliação prescrita nos projetos de cursos se realiza efetivamente? Como é a prática docente no que diz respeito aos processos de avaliação dos alunos? Essas são algumas questões que, certamente, desafiam gestores e educadores das ETSUS. Para Luckesi (2001), as práticas avaliativas tradicionais, dos séculos XVI e XVII, no que se refere ao uso de exames e de provas, ainda exercem influência no discurso e na prática avaliativa de muitos professores nos dias atuais. Este tipo de avaliação (avaliação tradicional) tem como meta principal verificar se os objetivos educacionais foram atingidos, não se preocupando com o processo de aprendizagem do aluno, mas com o resultado desta aprendizagem – o produto final. Ou seja, a ênfase recai no resultado, e não no processo. Essa avaliação é realizada ao final de todo o processo de ensino-aprendizagem ou ao final de cada conteúdo trabalhado, valorizando mais o aspecto cognitivo. No modelo tradicional de avaliação, há o estabelecimento de uma relação nítida de hierarquia entre professor e alunos: professor é quem detém o conhecimento e, por isso, tem o poder, enquanto o aluno deve obedecer, pois é aquele que não sabe e está ali para aprender. O professor considera que todos os alunos devem aprender no mesmo ritmo e por isso as atividades avaliativas são iguais para todos, sendo a prova escrita o principal instrumento de avaliação. Normalmente, o professor faz uma média com todas as notas do aluno para obter seu resultado final, e assim poder classificar os alunos em aprovados ou reprovados, excluindo muitos do processo educativo. Para Hoffmann (2001), a avaliação é um processo de controle, sendo, na perspectiva tradicional, um controle autoritário, sem diálogo. A avaliação num modelo formativo, por sua vez, tem como objetivo geral informar à comunidade escolar como está ocorrendo a aprendizagem dos alunos, quais as dificuldades, os avanços, por que o aluno está (ou não está) aprendendo, propondo intervenções efetivas para a promoção da aprendizagem. O foco está no processo de aprendizagem, e não no produto final. A avaliação é realizada de maneira contínua, considerando o aluno nos aspectos cognitivos, psicomotores e afetivos. Na relação entre professor e aluno, há o estabelecimento de cumplicidade, pois todos estão envolvidos com a aprendizagem. É uma relação dialógica e de cooperação. Considera-se que cada aluno tem seu ritmo de aprendizagem e, por isso, as atividades avaliativas devem ser individualizadas e diversificadas para atender as especificidades de cada aluno. Para Hoffmann (2001), nesse tipo de avaliação há o controle com diálogo constante, com respeito; controla-se para acompanhar os progressos do aluno, não para punir. Perrenoud (1999) considera que a idéia de avaliação formativa não é nova, mas já acontece há muito tempo, pois todos os professores se servem de algum modo da avaliação para ajustar o ritmo e o nível global de seu ensino. Nas palavras do próprio autor, “toda ação pedagógica repousa sobre uma parcela intuitiva de avaliação formativa, no sentido de que, inevitavelmente, há um mínimo de regulação em função das aprendizagens, ou, ao menos, dos funcionamentos observáveis dos alunos” (PERRENOUD, 1999, p.14). O que diferencia a avaliação formativa da avaliação tradicional, segundo o mesmo autor, é que nesta última o professor considera o grupo, regulando sua ação em função da dinâmica desse grupo, enquanto que na avaliação formativa a regulação se dá pela trajetória de cada aluno, regulando a aprendizagem do aluno individualmente. Acreditamos que a realização de um estudo acerca da avaliação da aprendizagem pode, de alguma forma, contribuir para que a ETSUS Profª. Ena de Araújo Galvão, seu corpo pedagógico, docente e discente, e as demais instituições formadoras da área da saúde, reflitam sobre este tema e repensem as práticas avaliativas, contribuindo para a melhoria da qualidade de ensino e, conseqüentemente, dos serviços prestados no SUS. 2 OBJETIVOS 2.1OBJETIVO GERAL Analisar (modelos e práticas) da avaliação da aprendizagem da ETSUS “Profª Ena de Araújo Galvão” 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS Analisar os projetos dos cursos técnicos, tendo como foco a questão da avaliação discente; Analisar os planos de ensino ou programas e os instrumentos de avaliação utilizados pelos professores; Analisar o modo como os professores representam suas práticas, quanto ao processo de avaliação; 3 MÉTODO 3.1 A Instituição Pesquisada A ETSUS Profª. Ena de Araújo Galvão foi criada em 21 de julho de 1986, como Centro Formador de Recursos Humanos para a Saúde, pelo decreto estadual nº. 3646, sendo transformada em Escola Técnica pelo decreto estadual nº. 12127, de 20 de julho de 2006, cuja missão é a formação e a capacitação dos trabalhadores de nível médio do SUS, bem como outras clientelas, para o exercício profissional, mediante cursos de qualificação, formação inicial e continuada, formação técnica e educação permanente, de nível médio, consubstanciados pelos princípios e diretrizes do SUS. A ETSUS Profª. Ena de Araújo Galvão integra a estrutura da Secretaria de Estado de Saúde, executando seus cursos de forma centralizada (na sede da ETSUS, localizada no município de Campo Grande, capital do Estado) e descentralizada (nos demais municípios), abrangendo todo o Estado. O seu surgimento em 1986 foi justamente para atender ao projeto Larga Escala, afirmando-se como uma escola de referência para a formação profissional técnica de nível médio na área da saúde no âmbito estadual. Dentro da concepção do Larga Escala, a ETSUS Profª. Ena de Araújo Galvão, desde a sua criação, se diferencia de uma escola regular, pela abordagem metodológica adotada e pelo fato dela não possuir um quadro fixo de professores. Estes são contratados por cada curso operacionalizado. Alguns autores (PEREIRA; RAMOS, 2006) entendem essa forma de vínculo como sendo precária, prejudicando o compromisso dos professores com os princípios da escola. A ETSUS Profª. Ena de Araújo Galvão trabalha na ótica de ensino-serviço, necessitando ter o pessoal do serviço no quadro de professores, com o objetivo de discutir as experiências do mundo do trabalho no contexto escolar. Isso seria possível com quadros fixos de professores, dedicados exclusivamente à docência? A ETSUS trabalha de acordo com a necessidade de formação dos trabalhadores do SUS, elaborando e executando projetos de cursos voltados para determinada formação, sem que tenha que mantê-los permanentemente ofertados. Desse modo, necessita de professores apenas pelo período de execução de cada curso. Todas essas questões acerca do vínculo dos professores são importantes, pois podem gerar repercussões no processo de ensino-aprendizagem, principalmente quanto à avaliação. 3.2 Procedimentos Metodológicos Os dados foram coletados através da leitura e análise de: I) documentos da ETSUS “Profª. Ena de Araújo Galvão”: a) projetos dos cursos técnicos em: higiene dental, radiologia, hemoterapia e enfermagem; b) planos de ensino ou programas dos referidos cursos; c) instrumentos de avaliação utilizados pelos professores; II) questionário: com o objetivo de produzir informações para a análise do processo de avaliação da aprendizagem na ETSUS “Profª. Ena de Araújo Galvão”; III) entrevistas semi-estruturadas: que objetivou aprofundar junto aos professores, temas presentes nas análises dos documentos e dos questionários, além de outros aspectos relevantes sobre suas práticas no processo de avaliação. Antes da realização da coleta de dados, foram aplicados pré-testes para verificar a consistência dos instrumentos elaborados (questionário e roteiro de entrevista). A pesquisa foi avaliada e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública, da Fundação Oswaldo Cruz (CEP/ENSP/ FIOCRUZ). Foram analisados 51 planos de ensino. Destes, 47 planos eram do curso técnico em higiene dental, 02 do curso técnico de enfermagem, 01 plano do curso técnico de radiologia e 01 plano de hemoterapia. Dos instrumentos avaliativos, de todos os cursos técnicos participantes deste estudo, foram analisados um total de 23 instrumentos. Quanto aos sujeitos da pesquisa, dos 80 profissionais identificados, que haviam dado aula na ETSUS “Profª. Ena de Araújo Galvão”, no período pesquisado, 53 foram contatados e se colocaram à disposição para participar da pesquisa, respondendo ao questionário. Desses, 49 professores devolveram o questionário respondido e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado. Dos professores que responderam ao questionário, 39 era do sexo feminino e 10 do sexo masculino. Na formação profissional, tivemos: enfermeiros, farmacêuticos-bioquimicos, odontólogos, pedagogos, biólogos, psicólogos, nutricionistas, veterinário, assistente social, físico, fisioterapeuta, técnicos em radiologia. Quanto ao nível de escolaridade, a maioria dos profissionais já possuíam algum tipo de titulação (32 especialistas, 9 mestres e 3 doutores), além da graduação, demonstrando, por esses dados, que a ETSUS não trabalhou, de modo geral, com profissionais recém-formados. Para a entrevista participaram: 02 odontólogos, 02 biólogos e 02 enfermeiros, dos cursos de higiene dental, hemoterapia e enfermagem, respectivamente. Desses, 04 possuíam especialização, 01 possuía mestrado e 01 estava cursando especialização. A análise de todo o material teve como foco o objeto deste estudo, a avaliação da aprendizagem, tomando como base metodológica a Análise de Conteúdo que é um conjunto de técnicas de análise de comunicações que, por meio de procedimentos sistemáticos e objetivos, visa obter a descrição do conteúdo das mensagens, efetuando deduções lógicas (inferências) e justificadas (BARDIN, 2008). 4 RESULTADOS Discutiremos a seguir o processo de avaliação da aprendizagem da ETSUS “Profª. Ena de Araújo Galvão”, tomando como referência seus documentos e, principalmente, as respostas aos questionários e as falas dos professores entrevistados. Ressaltamos que não pretendemos analisar a prática dos professores (o que realmente fazem), mas o que os mesmos dizem a respeito de como realizam a avaliação da aprendizagem dos alunos da referida escola. 4.1 Dimensões da avaliação Nos projetos dos cursos técnicos analisados está descrito que a avaliação da aprendizagem deve levar em conta os aspectos cognitivos, afetivos e psicomotores. Esses aspectos parecem ser oriundos da pedagogia de domínio desenvolvida por Benjamim Bloom, que defende o postulado de que a maioria dos alunos pode dominar a maior parte dos conhecimentos e das competências desde que se organize o ensino de forma a individualizar o conteúdo, o ritmo e as modalidades de aprendizagem, em relação a objetivos claramente definidos (CARDINET, 1993; PERRENOUD, 1999; DEPRESBITERIS, 2001a). Com o intuito de se ter um sistema comum de classificação dos objetivos educacionais, tornando-os mais precisos na sua enunciação e mais fidedignos na avaliação, Bloom et al. (1973) criaram uma divisão tríplice de objetivos educacionais, classificando em domínios: cognitivos, afetiv
s e psicomotores, desenvolvendo o que denominamos de Taxionomia de Bloom. Apenas os objetivos educacionais do domínio psicomotor não foram classificados em uma Taxionomia. Segundo Perrenoud (1999), na pedagogia de domínio o papel da avaliação não era criar hierarquias, mas demarcar as aquisições e modos de raciocínios de cada aluno, com a finalidade de auxiliá-lo na sua progressão, de acordo com os objetivos estabelecidos, surgindo, a partir desta pedagogia, a idéia de avaliação formativa desenvolvida por Scriven. Para Villas Boas (2001), a avaliação formativa engloba os três aspectos da aprendizagem: cognitiva, afetiva e psicomotora, sendo que esses aspectos devem ser desdobrados em objetivos, competências, habilidades e/ou evidências de aprendizagem, como forma de facilitar o processo avaliativo. Pensamos que a avaliação da aprendizagem da ETSUS “Profª. Ena de Araújo Galvão”, pelos projetos de cursos analisados, parece adotar uma perspectiva formativa, ao considerar os aspectos cognitivos, afetivos e psicomotores, indicando, assim, que a avaliação deve ampliar o seu foco, vendo o aluno como um todo, de forma integral. Na análise dos planos de ensino, podemos perceber que a avaliação planejada pelos professores da ETSUS “Profª. Ena de Araújo Galvão”, de uma maneira geral, abrangeu os três aspectos (cognitivos, afetivos e psicomotores), seguindo o que preconiza os projetos dos cursos. Porém, nem todos os planos de ensino apresentaram, conjuntamente, os três aspectos a serem avaliados, pois verificamos planos que apresentaram apenas os aspectos cognitivos e afetivos, outros que apresentaram os aspectos cognitivos e psicomotores e outros, ainda, que apresentaram somente os aspectos cognitivos para a avaliação. Perguntamos aos professores, no questionário, em qual (ou quais) aspecto (s) eles avaliaram os alunos. Apresentamos três alternativas de resposta para essa questão: habilidades práticas (referindo-se aos aspectos psicomotores); conhecimentos teóricos (referindo-se aos aspectos cognitivos); atitudes e comportamentos (referindo-se aos aspectos afetivos). Pelas respostas obtidas, observamos que os aspectos relativos aos conhecimentos teóricos e às atitudes e valores tiveram freqüência de resposta maior e muito próxima (45 e 44 respostas respectivamente), nos levando a pensar que os professores da ETSUS “Profª. Ena de Araújo Galvão” dão ênfase aos aspectos cognitivos e afetivos, no processo de avaliação da aprendizagem dos alunos. Nas entrevistas, percebemos que, apesar dos professores apontarem que avaliavam o aluno não só no aspecto cognitivo, mas também nas atitudes e comportamentos, a prioridade, de modo geral, recaía no aspecto cognitivo, pois se o aluno não fosse bem quanto aos comportamentos ou atitudes, ou mesmo, se ele não tivesse um bom desempenho na parte prática, esse aluno teria uma perda de pontos no seu resultado final, mas não chegaria a prejudicá-lo ou reprová-lo, caso apresentasse um bom desempenho cognitivo. [...] a gente consegue avaliar mais o conhecimento, a parte cognitiva. Essa parte humana (domínio afetivo), eu avalio, eu diminuo, por exemplo, a nota dele de oito pra seis, mas não posso reprovar. Ele tem um bom desempenho (cognitivo). (Entrevistado 1) [...] chegava a prejudicar quando o aluno faltava a prática, e não tinha interesse, tudo. Mas, chegar a reprovar não... por causa do comportamento ou por não saber a prática não. [...] diminuía um pouco a nota do aluno, mas não chegava a... reprovar. (Entrevistado 5) Observamos essa ênfase no aspecto cognitivo também nos planos de ensino, quando os professores atribuem maior peso para as provas escritas em relação às demais avaliações. Entretanto, outros professores relataram que já reprovaram alunos por comportamento inadequado, mas só em casos extremos, como problemas de caráter ou por algum tipo de distúrbio psiquiátrico que impediria o aluno do exercício da profissão. [...] já tive caso que eu reprovei aluno. Por este aspecto. Também de comportamento. De comer comida do paciente, de roubar, de pegar remédio, sabe? Então, isso eu não aceito. Pode ser muito bom, mas... Aí, ou a gente conversa, primeiro dá uma chance, mas se não houver melhora a gente... a gente reprova. (Entrevistado2) Nós tivemos um aluno que ele era sádico. [...] Ele tinha a teoria, ele tinha a prática, ele tinha até certa habilidade, mas... Ele tinha um comportamento inadequado pra lidar com a dor do outro. Foi reprovado. (Entrevistado 6) Segundo Bloom et al. (1973), muitos professores até avaliam seus alunos no domínio afetivo, por seus interesses, atitudes ou desenvolvimento de caráter, mas não acham justo aprovar ou reprovar os alunos em decorrência apenas desse domínio. O autor apresenta alguns motivos para essa recusa dos professores: a) não há instrumentos considerados fidedignos para avaliar o domínio afetivo; b) o aspecto afetivo está muito ligado a questões culturais e pessoais, inibindo o sistema escolar na classificação final dos alunos neste domínio; c) para muitos, os resultados dos objetivos de domínio afetivo não podem ser imediatamente evidenciados, pois interesses, atitudes e características de personalidade se desenvolvem de maneira lenta e são manifestados durante longos períodos de tempo. Como já fizemos referência, a ETSUS “Profª. Ena de Araújo Galvão” parece ter a intenção de realizar a avaliação da aprendizagem dos alunos dentro de um modelo formativo, ao considerar a avaliação nos três aspectos: cognitivos, afetivos e psicomotores. Contudo, os planos de ensino, as respostas aos questionários e as falas dos professores, apesar de se referirem à avaliação da aprendizagem nesses três aspectos, com ênfase aos aspectos cognitivos e afetivos, parecem dar prioridade aos aspectos cognitivos. 4.2 Objetivos da avaliação Nos projetos dos cursos verificamos que não se explicita qual seria a função da avaliação da aprendizagem, pois não encontramos referência clara aos objetivos da avaliação descrita. A redação desse item nos projetos apenas se refere ao modo como a avaliação da aprendizagem deveria ser realizada, mas não diz claramente para que (objetivo) deveria ser realizada. Consideramos uma lacuna, que necessita ser preenchida com urgência, essa ausência de definição do objetivo da avaliação da aprendizagem nos projetos dos cursos, pois é no estabelecimento dos seus objetivos avaliativos que a ETSUS “Profª. Ena de Araújo Galvão” poderá dar sentido ao processo educativo, explicitando a natureza de suas decisões. Nos planos de ensino analisados (51 planos), constatamos que 08 deles apresentaram alguma referência aos objetivos da avaliação da aprendizagem. Estava descrito, por exemplo, como objetivo: “avaliar o conhecimento ou conteúdo estudado”; “testar todo o conhecimento abordado durante todo o curso”; “avaliar o desempenho prático”. Nas entrevistas, perguntamos aos professores qual o objetivo de avaliar os alunos da ETSUS “Profª. Ena de Araújo Galvão”. Quase todos responderam que avaliavam, principalmente, para verificar se os alunos estavam adquirindo o conhecimento trabalhado em sala de aula. Queria saber se eles estavam captando a mensagem, o conteúdo que eu estava passando, sabe?(Entrevistado 3) Se eles tinham aprendido a técnica que eu tinha ensinado: se eles tinham conseguido assimilar a teoria com a prática, ter o conhecimento, tipo: ele sair dali sabendo fazer o que foi passado na aula, né? (Entrevistado 5) Além desse objetivo principal, alguns professores também responderam que avaliavam os alunos para saber como estava o trabalho deles como professor, referindo-se, possivelmente, a uma auto-avaliação: (...) eu vou verificar se eu tenho que fazer adequação do conteúdo. Se eu errei em algum lugar. (Entrevistado1) Quando avalio um aluno, estou automaticamente me avaliando, né? (Entrevistado 6) Apenas um professor respondeu que avaliava para saber quais eram as dificuldades do aluno para, então, poder trabalhar com essas dificuldades. Eu quero saber as dificuldades dele (aluno) para trabalhar em cima dessas dificuldades. Todas as dificuldades: de conhecimento, de habilidades também. (Entrevistado2) Alguns professores ainda relataram que usam a avaliação com o objetivo de fazer os alunos estudarem. Para você apresentar um seminário e não passar vergonha na frente dos outros, você tem que estudar. Então eu queria saber neste seminário se eles (os alunos) estudaram realmente. (Entrevistado 3) Quando a turma não estava muito assim... interessada, eu aplicava prova [...] com o objetivo deles estudarem mais, para verem que o curso não era brincadeira. (Entrevistado5) Os professores, em geral, avaliam por várias razões: para motivar os alunos, para manter a ordem, para informar os alunos e a escola do rendimento dos alunos, para certificar os conhecimentos, garantindo o direito a uma promoção nos estudos (ser aprovado na disciplina), entre outros (PERRENOUD, 1999). Podemos perceber, principalmente, nessa última fala (Entrevistado 5), a tendência que alguns professores têm em utilizar a avaliação da aprendizagem para objetivos que não estão diretamente ligados à promoção da efetiva aprendizagem dos alunos. Dentre os dados apresentados, tanto pelos planos de ensino quanto pelos relatos nas entrevistas, podemos considerar que os professores avaliam com diferentes objetivos, mas, principalmente, para verificar se o aluno está adquirindo o conhecimento trabalhado, dentro da função somativa de avaliação. 4.3 Processos de avaliação 4.3.1 Periodicidade Quanto ao momento em que se realiza a avaliação da aprendizagem, está descrito nos projetos dos cursos, que esta acontecerá durante todo o processo, remetendo-nos a idéia de uma avaliação contínua. Observamos que alguns planos (20) apresentaram o momento em que deveria ser realizada a avaliação da aprendizagem, indicando que a mesma ocorreria no último dia de aula, sendo esta indicação, especificamente, para avaliação escrita. Apareceu, também, a indicação de avaliação no meio da disciplina. Outros planos não deixaram claro o momento exato em que ocorreria a avaliação da aprendizagem. No questionário perguntamos em qual (uais) momento (s) os professores avaliaram os alunos. O resultado apresentado indica o maior número de respostas para avaliação que aconteceu no meio da disciplina (28 respostas), seguido pela avaliação no término da disciplina (22). Seis professores responderam que também realizaram avaliação antes de iniciar o conteúdo, reportando-nos a uma avaliação diagnóstica. Obtivemos 14 respostas para a alternativa “outros”. Destas, 13 repostas indicam que os professores realizavam o processo avaliativo durante todo o processo, sugerindo uma avaliação contínua. Cabe ressaltar que os professores poderiam ter assinalado mais de uma resposta para esta questão. Desse modo, podemos inferir que a maioria dos professores, que respondeu o questionário, realizava a avaliação da aprendizagem no meio ou no final da disciplina, com o provável objetivo de, conforme dados anteriormente discutidos, verificar se o aluno estava adquirindo ou não o conhecimento. É importante salientar que 22 respostas apontaram que, além de outros momentos avaliativos, alguns professores realizaram avaliações ao término da disciplina. De modo geral, realizar avaliação ao término do processo não oportuniza um trabalho docente de investigação das dificuldades apresentadas pelos alunos para possíveis intervenções que promovam a aprendizagem. A avaliação, nesse caso, parece ser o que Hoffmann (2007) denomina de momento terminal do processo de aprendizagem, tendo um caráter sentencivo, certificativo: ou o aluno sabe (provavelmente será aprovado) ou não sabe (e, então será retido na série ou na disciplina). Gostaríamos de ressaltar as 13 respostas que indicam que os professores realizaram avaliação durante todo o processo. Enquanto que a avaliação tradicional se dá de maneira pontual, com momentos específicos, não conseguindo captar toda a dinâmica do processo de aprendizagem (ANTUNES, 2008), a avaliação contínua é uma estratégia que permite ao professor acompanhar sistematicamente o desenvolvimento do aluno. Hoje em dia, muitos professores afirmam realizar uma avaliação contínua e as escolas também incentivam, em seus documentos, o uso desse tipo de avaliação. Contudo, há que se discutir de que forma é realizada a avaliação contínua e como o professor, em uma sala com 30 alunos consegue desenvolver satisfatoriamente este tipo de avaliação. Acreditamos que é possível e necessário fazer avaliação contínua, mas é no dia a dia da sala de aula que o professor terá de construir estratégias que possibilitem o uso efetivo dessa prática. Para Perrenoud (1999), não é porque o professor diz que faz uma avaliação contínua que ela tem um caráter formativo, pois muitas intervenções do professor não têm como objetivo contribuir para a progressão da aprendizagem do aluno e, por isso, não pode ser considerada formativa, ainda que seja contínua. 4.3.2 Registro Outro aspecto que procuramos investigar sobre o processo de avaliação da aprendizagem foi o registro. Hoffmann (2001) define os registros de avaliação como um conjunto de “dados de uma história vivida por educadores com os educandos” (p. 117). Para a autora, ao acompanhar vários alunos em momentos diferenciados de aprendizagem, torna-se necessário registrar o que se observa de significativo para subsidiar a continuidade da ação educativa. Nos projetos dos cursos, não há referência em relação a registros avaliativos. Perguntamos nas entrevistas se os professores registravam o processo de avaliação e de que forma isso era feito. Todos afirmaram que registravam esse processo das seguintes formas: planilha, caderno, ficha de avaliação individual. Trabalhando com sinais (positivo ou negativo) ou notas, os professores relataram que iam pontuando as atividades avaliativas realizadas, dependendo do desempenho de cada aluno. Poucos professores relataram que também faziam anotações e comentários a respeito dos alunos nesses registros. No final de todo o processo avaliativo, esses registros serviam como base para dar o conceito final aos alunos. Para esses professores, esse conceito final era dado a partir da média dos resultados das atividades avaliativas realizadas ou da soma de todas as notas obtidas, sendo a nota máxima dez. No final, eu juntei todas as notas e aí dei uma média, uma nota só. (Entrevistado 3) No final, eu pegava tudo, somava e dava uma nota. (Entrevistado 4) Para alguns autores, fazer uma média das notas ou somar todos os resultados obtidos pelos alunos para se ter o resultado final é uma incoerência, pois não se está considerando o avanço progressivo desse aluno. As notas anteriores refletiriam as dificuldades do aluno e essas deveriam ser sanadas ao longo das aulas, para que no final todos os alunos pudessem atingir o conhecimento mínimo esperado. Isso equivale a dizer que as notas anteriores obtidas pelo aluno não deveriam ser consideradas para o seu resultado final, mas sim o avanço que este aluno teve no processo de aprendizagem (CARDINET, 1993 LUCKESI, 2001). Esse tipo de procedimento, bastante complexo, só é possível em uma avaliação da aprendizagem efetivamente formativa. De acordo com Hoffmann (2001), os dados que compõe os registros em avaliação devem ser descritivos e analíticos para os aspectos qualitativos observados, pois dados quantitativos não permitem analisar a evolução do aluno. Dar nota, ponto ou conceito a uma atividade pode não dizer muita coisa para o aluno (muito menos para o professor). O melhor seria apontar, descrever ao aluno os aspectos a serem melhorados. Observamos, também, que para alguns professores entrevistados a prova escrita parece representar uma forma de documentar a aprendizagem muito importante. Na prova teórica eu nunca mexi. Eu deixava para mexer ou em nota de seminário ou em nota de prática. Porque eu não acho justo, entendeu? Eu acho que ali (referindo à prova escrita) é um documento. O aluno fez a teórica, acabou. No outro (referindo-se à avaliação contínua), eu não tenho documento... uma coisa escrita. (Entrevistado 5) Esse registro não serve como documento (...) é uma forma particular que não serve como documento. Acaba ficando comigo, mas não tem um papel oficializado para tal. (Entrevistado 6) As falas sugerem a fragilidade com que os professores da ETSUS
Profª. Ena de Araújo Galvão” ai