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Educação de Jovens e Adultos: Construindo Práticas Humanizantes
Resumo
O presente trabalho apresenta uma síntese das atividades desenvolvidas durante o projeto Autoestima em alta da Escola Municipal Washington Manoel de Souza em parceria com diversas secretarias municipais da cidade, tais como: saúde, ação social, cultura, etc, na cidade de Queimados, região da Baixada Fluminense do estado do Rio de Janeiro. O projeto atendeu uma turma de 34 alunos, faixa etária de 15 a 60 anos. Trabalhar com um grupo com idades tão variadas é, ao mesmo tempo, complexo e encantador. Complexo porque é muito difícil conseguir elencar atividades que atendam as expectativas tão diferenciadas. Encantador porque a riqueza da interação, a troca entre os alunos é um momento único e especial. Ver jovens e idosos trocando experiências, compartilhando saberes, protegendo-se mutuamente, é realmente desafiante e inspirador. Procuramos atender os alunos de forma integral, tanto no que se refere às práticas pedagógicas, assim como as questões relacionadas a saúde. Tomamos como norte a afetividade, pois em nossas pesquisas constatou-se que, conforme nos diz Restreppo (2000),separar a razão e a emoção, pode resultar num produto do torpor e do analfabetismo afetivo que cria um império burocrático e generalizador que desconhece os processos singulares em sua dinâmica. Dado que nossas cognições são determinadas por fenômenos de dependência e interdependência, por cruzamento de gestos e corpos. Há complexidade no exercício da docência basicamente pelo fato que uma ação feita com e para pessoas exige muito esforço e preparação humana do educador, como prenunciava Paulo Freire. Um profundo movimento de interação transforma a sala de aula em um espaço deste movimento. O encontro do professor com os alunos, dos alunos com os alunos, dos alunos com o conhecimento, sendo a afetividade o eixo desse movimento na aprendizagem, estreitará a relação entre professor e aluno, surgindo a necessidade do respeito às diferenças e às expectativas dos alunos que apontam para além das técnicas e dos conteúdos. Tendo a afetividade como eixo norteador de nossas ações percebeu-se que mesmo com rigor científico, abriu-se uma porta para aprendizagem, pois já se comprovou que os conhecimentos são melhores assimilados quando se tem envolvimento afetivo e identificação com o mediador, nesse caso, o professor. A ternura é uma forma de desburocratizar o conhecimento, convertendo sua produção e conservação numa prática de autogestão (RESTREPO, 2000). Partimos do princípio que se o ser humano é um ser de necessidades, constitui-se mediante relações que buscam a plenitude na satisfação de suas necessidades e das necessidades do outro (RAMOS, 2009). Com base na afetividade e na integralidade do cuidado, inspirados em Paulo Freire, buscamos o diálogo como ferramenta metodológica. Mattos (2006) contribui para a questão firmando que para tomarmos a integralidade como princípio orientador das práticas, quer como princípio orientador da organização do trabalho ou mesmo na organização das políticas, integralidade implica uma recusa ao reducionismo, uma recusa à objetivação dos sujeitos e talvez uma afirmação da abertura para o diálogo. É um grande engano achar que trabalhar com a humanização dispensa os conteúdos. Ensinar conteúdos é extremamente afetivo, pois esse aluno precisa perceber-se como aprendente para que tenha ânimo para conquistar buscando o aprendizado. A medida que os conteúdos passam a fazer sentido, o aluno sente-se confiante, capaz e novas partes da cognição vão se abrindo e a escola passa a ser um espaço que vale a pena. Inspirado na afetividade, na integralidade e no diálogo, desenvolveu-se 14 oficinas abordando conteúdos como: Identidade; Espaços de convivência; Saúde individual e coletiva; Corpo humano; Narração e descrição; Argumentação e debate; Alimentação; Desenvolvimento humano; Memória; Diversidade cultural na formação da sociedade; Expressões artísticas; Direitos civis, políticos e sociais entre outros com o objetivo de construir uma autoestima positiva, fortalecendo a confiança na sua capacidade de aprendizagem, valorizando a educação como meio de desenvolvimento pessoal e social; desenvolver habilidades intra e interpessoais, a fim de melhorar o seu reconhecimento como sujeito e o aprimoramento de sua atuação com seus pares no cotidiano, criando laços de convivência em grupo, entendendo que a sua atitude afetiva, não destituída de conflitos, pode mudar a sua qualidade de vida pessoal e coletiva. Neste ano pretendeu-se priorizar as questões de trabalho,a fim de que o aluno perceba que apropriando-se dos instrumentos da cultura letrada pode vislumbrar novas oportunidades de inserção no mercado de trabalho e, em sua atuação no mundo e com o mundo, pode desconstruir relações de trabalho que tendem a coisificar o trabalhador e reconstruí-las com base no respeito ao outro e na sua auto valoração. A literatura nos mostra que o estado de passividade e não valorização faz com que o trabalhador se endureça e, muitas vezes, até adoeça nestas relações desumanizastes. A metodologia baseia – se na linha sociointeracionista, que busca construir o conhecimento de acordo com as experiências vividas no meio social e na perspectiva de que a avaliação da aprendizagem é contínua, permanente e recorrente. O projeto foi desenvolvido duas vezes na semana, no período da última hora de aula do terceiro turno de EJA. Percebeu-se os resultados do projeto através dos relatos dos alunos e as posturas diárias no cotidiano escolar, mostrando mais participativos e confiantes no seu potencial criativo. Houve progressiva melhora na aprendizagem e uma crescente interação, professor-aluno-conhecimento. Além disso, houve relatos de que alguns alunos já integraram-se em projetos de sua comunidade e movimentos sindicais.Nesta experiência podemos observar que os conteúdos se “misturam” em todas as áreas do conhecimento, como é na vida, e isso nos permite diariamente perceber o quanto estamos ou não avançando na proposta apresentada. Assim, podemos afirmar que este trabalho atingiu uma perspectiva qualitativa bem sucedida, onde os alunos se reconhecem sujeitos do seu próprio devir, após todo percurso percorrido. Referências ALVES, R. O desejo de ensinar e a arte de aprender. Fundação Educar: 2006.BRASIL/MEC. Educação de Jovens e Adultos – Proposta Curricular para o 1º segmento do Ensino Fundamental. Ação Educativa. Brasília: 1997.FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1997.MATTOS, R. A. Os sentidos da integralidade: algumas reflexões acerca de valores que merecem ser defendidos. In: PINHEIRO, R. & MATTOS, R. A (Orgs.) Os Sentidos da Integralidade na Atenção e no Cuidado à Saúde. Rio de Janeiro: 6ª ed. IMS, Uerj, Abrasco, 2006. RAMOS, M. Educação pelo Trabalho: possibilidades, limites e perspectivas da formação profissional. Saúde e Sociedade, v.18, supl.2, 2009.RESTREPO, L. C. Direito à Ternura. Petrópolis: Vozes, 1998.