Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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Intervenções econômico-sociais e implicações sociais
Patricia Rachel Andrioni

Resumo


Introdução Atualmente, ONGs, Mercado e Estado têm investido recursos para ampliar a oferta de direitos sociais e/ou viabilizar que as classes constituintes da base da Pirâmide Econômica Mundial tenham acesso ao mercado formal de consumo. Esses investimentos tomam a forma de intervenção econômico-social e chegam à realidade simbólica e material do seu público-alvo, normalmente, sob o signo de projeto ou programa. A relação entre a intervenção econômico-social e o ethos predominante no grupo social é explorada no contexto das ações produtivas e de atenção social que se dão em um micro processo e em um macro processo promovidos respectivamente por uma Organização Não-Governamental (ONG) e por uma empresa, envolvendo três grupos sociais brasileiros. Estudada principalmente com as lentes de Weber, Giddens e Putnam tenta-se responder à questão: como e em que medida a ideologia, os métodos e as formas de intervenção econômico-social podem contribuir para a criação ou preservação de condições favoráveis à modificação ou à manutenção do ethos predominante num grupo social. Foram concebidos como recursos metodológicos os tipos ideais ethos da autoria – ação com vistas à transformação da realidade onde o indivíduo se posiciona como sujeito da própria realidade e ethos da vitimação – a ação com vistas à reprodução da realidade onde o indivíduo se posiciona como objeto da própria realidade para viabilizar a investigação. Objetivo Avaliar se os programas ou projetos econômico-sociais contribuem para o surgimento e/ou a manutenção do ethos da autoria e do ethos da vitimação nos grupos sociais onde são implementados. Método Para operacionalizar a pesquisa, foram escolhidas duas instituições que empreenderam projetos cuja finalidade ou meios para atingir sua finalidade incluíam a promoção do desenvolvimento econômico e social de grupos sociais e dois grupos vinculados às organizações pesquisadas. A pesquisa de campo deu-se em três etapas. Na primeira etapa foram entrevistados gerentes, funcionários e voluntários que participaram da concepção das metodologias de intervenção econômico-social, da sua implementação e avaliação e, integrantes de grupos sociais onde elas foram implementadas; na segunda etapa, a partir das entrevistas semi-estruturadas, elaborou-se questionário fechado para ser respondido pelas pessoas envolvidas na concepção das metodologias, sua implementação e avaliação e, integrantes de grupos sociais onde elas foram implementadas. Por fim, foi realizada por meio de aferição quantitativa se existiu relação entre o ethos do grupo social e o projeto implantado e como se deu essa afinidade. Os dados qualitativos foram analisados por meio da técnica de análise de conteúdo temática e para a análise multivariada dos dados foi utilizada a técnica Análise de Componentes Principais para dados categóricos (CATPCA) disponível no software SPSS. Resultados Das intervenções econômico-sociais aqui pesquisadas percebe-se que têm escopo, recursos disponíveis e poder de articulação com parceiros bastante distintos. Os dados mostram que tanto a Empresa quanto a ONG: a) partem de um grupo de pessoas dotadas de uma determinada visão de mundo e que, do lugar das suas crenças, valores e disposições, concebem o projeto; b) têm públicos-alvo definidos e formas específicas de se comunicar com eles; c) possuem critérios para aporte de recursos econômicos e financeiros; d) destinam um “lugar” para ser ocupado pelo público-alvo no processo de intervenção; e) escolhem recursos a serem aportados; f) têm referência cronológica e g) resultados esperados. Tanto a Empresa Beta quanto a ONG Alfa vêm os grupos sociais como capazes de empreender a melhoria das condições de vida se dotados de certas condições. Um dos papéis que assumem é o de contribuir para que essas condições sejam atendidas. Além dos aspectos técnicos, no discurso dos interventores brota o sentido de missão e a ancoragem da construção da autonomia no sucesso do empreendimento econômico. As entrevistas e o tratamento estatístico permitiu afirmar que as intervenções afetam os grupos sociais. No entanto, em relação à sua capacidade de influenciar o ethos, não se pode concluir com segurança. Supostamente interferem vez que o estado original dos grupos estudados foi claramente alterado, mas novas pesquisas precisam ser feitas para apontar com maior clareza a dimensão dessa inter-relação. O que parece afetar mais fortemente a disposição dos indivíduos em ocupar determinado lugar no mundo social é a existência, no seio do grupo, de uma liderança carismática, de utopias compartilhadas e da fé na possibilidade de materialização dessas utopias. Da observação dos grupos foi possível verificar que coexistem traços de autoria e traços de vitimação. Como 92% da quantidade de respondentes (41) são da Cooperativa de Assentados ou da Cooperativa de Coleta e Reciclagem, ambas exitosas nos seus empreendimentos econômicos, pode-se formular uma nova hipótese de pesquisa. Nos casos estudados verificou-se que o sucesso dos empreendimentos econômico-sociais está associado à predominância, no grupo, do ethos de autoria. Os indícios do efeito da liderança sobre as disposições dos indivíduos nos levam a sugerir que o ethos é potencialmente compartilhado pelo grupo. Assim, a liderança, pela força que sugere, inclusive do ponto de vista do compartilhamento do ethos, ensejaria, além de estudos mais aprofundados, a discussão estratégica sobre políticas públicas voltadas à formação de líderes locais. A valorização máxima, pelos grupos, das dimensões da ajuda externa, agrupadas nas categorias Parceria e Fortalecimento da Comunidade, nos ajudam a refletir sobre o equilíbrio entre as políticas emancipatórias e as políticas da vida (Giddens, 1991) como fator potencializador da adesão de grupos sociais a uma lógica da autoria. Conclusões A pesquisa mostra essencialmente a mudança nos padrões de referência de vida dos cooperados. As transformações pela via do trabalho coletivo retiraram-nos de uma situação marginal. Esses achados ajudam a formular possibilidades de visualizar dimensões para potencializar o desenvolvimento micro-econômico sob o ponto de vista dos interventores e dos grupos sociais. Na visão dos interventores a potencialização do sucesso dos empreendimentos econômicos advém, principalmente, das categorias Capital Social, Capacitação, Investimentos e Liderança. Da perspectiva dos grupos sociais pesquisados são as Parcerias, a Alocação de Capital e a Liderança que servem como impulsionadores desse desenvolvimento. A singularidade do estudo está no mapeamento do conjunto de componentes principais que perfilam o processo de intervenção econômico-social exitoso e do conjunto de componentes principais presentes na dinâmica produtiva dos grupos sociais, ativados pelo ethos da autoria.