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ITINERÁRIOS TERAPÊUTICOS DE USUÁRIOS DE MEDICAMENTOS EM UMA UNIDADE DE ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA
Resumo
O termo itinerário terapêutico pode ser utilizado como sinônimo de busca por cuidados terapêuticos, e procura descrever e analisar os caminhos percorridos por indivíduos na tentativa de solucionar o problema de saúde, considerando as práticas individuais e sócio-culturais. O delineamento deste estudo é qualitativo e foi inspirado nos estudos culturais, os quais analisam os significados que as pessoas atribuem as suas vivências cotidianas. A amostra populacional deste estudo foram usuários de medicamentos que não tiveram suas prescrições de medicamentos integralmente atendidas pela unidade de estratégia de saúde da Família Herdeiros, pertencente ao distrito sanitário Partenon/ Lomba do Pinheiro, localizada na cidade de Porto Alegre/RS no período de março a agosto de 2011. A produção de dados foi realizada em dois momentos. Inicialmente, foi realizado um levantamento dos usuários que não acessaram integralmente o(s) medicamento(s) na unidade de estratégia de saúde da família. Efetuou-se um banco de dados no programa Microsoft Excel® contendo o nome do paciente, número do prontuário, endereço, data da prescrição, local de origem da prescrição, os medicamentos não atendidos e a dosagem. Partindo-se deste banco de dados, realizou-se a segunda etapa da produção de dados, que consistiu na realização de visitas domiciliares para 20 usuários, selecionados aleatoriamente do banco de dados, onde se aplicou um questionário semi-estruturado, gravou-se a entrevista e registrou-se observações no diário de campo. Como parte integrante do processo metodológico, houve transcrição das entrevistas, análise dos transcritos, dos registros do diário de campo e do questionário semi-estruturado. Neste estudo utilizou-se a análise do conteúdo por categorização aplicando a análise temática, que consiste em isolar temas do texto e extrair as partes utilizáveis, de conformidade com o problema pesquisado .A partir dos dados produzidos neste estudo foram propostas as seguintes categorias de análise: Causas do não cumprimento do itinerário terapêutico, Comunicação da equipe de Saúde da Família com o usuário, Automedicação como forma de compensar o medicamento não acessado, simbolismo do medicamento. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre/RS, sob processo de número 001.050594.10.9 em 16/12/2010. Foram realizadas 20 visitas domiciliares entre os meses de março a agosto de 2011. Dos entrevistados, 80% eram mulheres com faixa etária que variou 53 a 85 anos e 20% eram homens com faixa etária que variou de 58 a 73 anos. Quanto ao grau de escolaridade dos entrevistados prevaleceu (60%) como formação o ensino fundamental incompleto. A renda familiar declarada em 80% das entrevistas foi um salário mínimo. Dos usuários, 20% tiveram um medicamento não fornecido pela Unidade de Saúde da Família (USF), 30% dos usuários tiveram dois medicamentos não fornecidos pela USF, 30% dos usuários tiveram três medicamentos não fornecidos pela USF, 5% dos usuários tiveram quatro medicamentos não atendidos pela USF, 10% dos usuários tiveram cinco medicamentos não fornecidos pela USF, e 5% dos usuários tiveram seis medicamentos não fornecidos pela USF, conforme Tabela 1. O tempo médio de duração das entrevistas foi de 40 minutos. Apesar de 100% dos usuários entrevistados afirmarem que sempre conseguiram adquirir o(s) medicamento(s) não encontrado na Unidade de Saúde da Família acessada, observou-se que tal afirmação não se confirmou no decorrer da maioria dos discursos. E com isso, foram relatadas as causas que muitas vezes dificultaram o cumprimento do itinerário terapêutico. Quando um usuário busca acesso a um serviço, ele tem um único objetivo, que é solucionar o seu problema de saúde. Para alcançar este objetivo, ele percorrerá inúmeros caminhos, ainda que imprevistos para o sistema de saúde, criando para si o itinerário terapêutico mais apropriado. Por exemplo, um usuário que resolve acessar seus medicamentos via judicial o faz por acreditar que a unidade de saúde do seu bairro não tem todos os medicamentos que ele toma, ou porque freqüentemente estes medicamentos estão em falta ou porque ele não se sente acolhido pela sua unidade de saúde de referência. Quando não disponível o medicamento na unidade de saúde, a maioria dos usuários(60%) referiu comprar. Com relação aos usuários entrevistados, 25% referiram que a equipe não referenciou o local para aquisição do medicamento que não estava disponível.Verificou-se que muitos dos medicamentos que os usuários estavam comprando estão disponíveis na rede pública. Foi observado um descontentamento do usuário em saber da não existência do medicamento na unidade de saúde e a pouca informação sobre o porquê desta falta é relatada com indignação.Temos a considerar, que muitas vezes, esta indignação, descontentamento do usuário frente a suas experiências, muitas vezes negativa, poderá conduzir o usuário para a judicialização como forma de “adquirir” os seus direitos. Podemos perceber que a população possui saberes que nem sempre estão validados academicamente e diante disto, nem sempre o profissional de saúde está preparado para lidar com as diferentes práticas de saúde. Cabe ao profissional, encaminhar estes casos para discussão em equipe e desta forma promover o acolhimento do usuário a unidade de saúde sempre que houver falta de medicamento. A discussão com a equipe de saúde local pode evitar que o usuário de saúde tenha que trilhar um caminho desconhecido na busca do medicamento. Compreender os fatores que estão dificultando o cumprimento do itinerário terapêutico é uma forma de acolher o usuário e contribuir para promoção da saúde, reduzindo o número de internações hospitalares, de judicialização de medicamentos por quebra de itinerário terapêutico, ou seja, quando o indivíduo não segue os fluxos pré-estabelecidos pelo sistema para a aquisição dos medicamentos e opta por recorrer via judicial diretamente. Tais repercussões não incidem apenas no paciente e sim, refletem em todo o sistema de saúde. Com base no exposto, os estudos com itinerários terapêuticos são úteis para a qualificação da assistência, planejamento, gestão pois promovem reflexões acerca da relação do usuário com o profissional de saúde e com o sistema de saúde. Centrar as ações no usuário e na sua cultura, promove humanização do cuidado e integralidade na atenção à saúde. A utilização de medicamentos é um processo complexo com múltiplos determinantes e envolve diferentes atores. As diretrizes farmacoterapêuticas adequadas para a condição clínica do indivíduo são elementos essenciais para a determinação do emprego dos medicamentos. Entretanto, é importante ressaltar que a prescrição e o uso de medicamentos são influenciados por fatores de natureza cultural, social, econômica e política. . Diante disto, as ações e políticas relativas ao fornecimento e utilização de medicamentos deverão contemplar estes aspectos, confrontando as expectativas dos usuários, os aspectos econômicos e os critérios técnico-científicos para a tomada de decisões. As dimensões subjetivas e sociais devem ser consideradas nas relações que se estabelecem entre o usuário e o profissional de saúde. É necessário que a equipe de saúde esteja atenta aos usos e costumes culturais da comunidade atendida. Como não devem existir atores privilegiados na produção de saúde, nem preconceitos ou hierarquizações, importante se faz o entendimento e a valorização das formas de tratamento e cura, no contexto em que se desenvolvem. PALAVRAS-CHAVE Itinerário terapêutico, assistência farmacêutica, medicamentos.