Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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INTEGRAÇÃO HORIZONTAL E VERTICAL NO CURRÍCULO DE UM CURSO DE GRADUAÇÃO EM SAÚDE COLETIVA: RELATO DE EXPERIÊNCIA
Antonio José Costa Cardoso

Resumo


1 - Caracterização do problemaAs pesquisas sobre o ensino superior na saúde no Brasil destacam o descompasso entre a formação profissional e as necessidades de saúde da população e da organização setorial. Visando intervir nesse processo formativo, os Ministérios da Saúde e o da Educação criaram o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde).O objetivo deste trabalho é descrever o Projeto Político-Pedagógico (PPP) do curso de Gestão em Saúde Coletiva da UnB e analisar a sua implantação a partir de 2010, com foco nas estratégias de integração vertical e horizontal, segundo os três eixos do Pró-Saúde: Orientação Teórica, Orientação Pedagógica e Cenários de Prática.2 - Descrição da experiência2.1 - Orientação TeóricaConstruído coletivamente a partir de discussões realizadas pelo Colegiado do Departamento de Saúde Coletiva (DSC) entre 2008 e 2009, nosso ponto de partida foi a definição do perfil profissiográfico pretendido. Assumiu-se como objetivo do curso formar sanitaristas com competências para participar ativamente da formulação e implementação de políticas públicas saudáveis de caráter intersetorial e da realização de ações na prática cotidiana dos serviços de saúde, mobilizado pelas condições de vida da população e pelo reconhecimento de que há uma “determinação social da saúde-doença-cuidado”.A construção de um projeto curricular voltado para a formação de um sanitarista engajado socialmente, participativo, crítico, com uma visão abrangente do processo de determinação social da saúde-doença (e não apenas voltada aos determinantes biológicos) implica a quebra das fronteiras entre as disciplinas e a articulação dos processos de ensino-aprendizagem ao mundo do trabalho e à pesquisa. A expectativa do novo curso é de que esses novos "operadores transdisciplinares” da Saúde Coletiva sejam sujeitos mutantes prontos para o trânsito interdisciplinar, capazes de transpassar fronteiras.Em resumo, o PPP do curso de Gestão em Saúde Coletiva foi construído na perspectiva de uma formação sintonizada com a realidade social, orientado pelos princípios da inter/transdisciplinaridade, da articulação entre teoria e prática e da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, dedicando importância equivalente aos determinantes biológicos e sociais na análise do processo saúde-doença, bem como às dimensões da promoção, prevenção, cura e reabilitação na gestão do cuidado em saúde.2.2 - Orientação PedagógicaA proposta curricular do curso articula conteúdos em grau crescente de complexidade por meio de estratégias de integração horizontal e vertical que, grosso modo, correspondem ao desenvolvimento de “matriz integrativa” (no lugar de “grade”) orientada por “eixos curriculares” operacionalizadores de Programas de Aprendizagem, nos quais os professores têm experimentado práticas interdisciplinares.Matricialmente, o curso está organizado em três grandes unidades (originalmente “Momentos” do Planejamento Estratégico Situacional – PES) que funcionam como matrizes cognitivas que orientam a análise e a intervenção sobre a realidade sanitária, mas também a organização curricular. Com base na Aprendizagem Baseada em Problemas e Projetos (ABPP), cada unidade tem uma missão: desenvolver um projeto de pesquisa/intervenção e executá-lo. Na primeira unidade realiza-se uma análise das condições de saúde da população e, na segunda, uma avaliação de estrutura e desempenho do SUS. A terceira corresponde à formulação e implantação de planos de ação.As disciplinas Seminários Integradores em Saúde Coletiva (SISC), Práticas Integradas de Saúde (PISC) e Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) funcionam como eixos curriculares do curso. Trabalhando com pequenos grupos de forma tutorial, SISC, PISC e TCC articulam o curso verticalmente, ao mesmo tempo em que favorecem uma integração horizontal das disciplinas ao interior de cada Módulo. Todas as disciplinas que compõem cada Módulo são convidadas a se articularem em diferentes níveis com SISC/PISC.Horizontalmente, além de SISC/PISC/TCC, outras disciplinas desenvolvem mecanismos de integração inter-disciplinar, motivo pelo qual deverão compor Programas de Aprendizagem. Verticalmente, as disciplinas estão, naturalmente, articuladas em quatro grandes “corredores disciplinares”: 1) Epidemiologia, Ambiente e Trabalho; 2) Política, Planejamento e Gestão em Saúde; 3) Saúde, Cultura e Cidadania; e 4) Bioética.2.3 - Cenários de Prática O desenvolvimento de atividades práticas do curso de Gestão em Saúde Coletiva no âmbito dos serviços de saúde e em outros “cenários de aprendizagem” segue, sempre que possível, a lógica do processo de produção em saúde, com grande esforço no sentido da diversificação dos cenários de prática (comunitário e com atividades práticas realizadas em todos os níveis de gestão do sistema), utilizando enfoque epidemiológico e, portanto, centrado nas necessidades de saúde da população de referência.As atividades práticas das várias disciplinas que compõem o curso estão concentradas na Regional de Saúde do Paranoá. De base local e ao interior do SUS do Distrito Federal, a construção do Sistema Saúde-Escola pelos cursos da área da saúde da UnB articula, com o apoio do Pró-Saúde, a formação profissional com as necessidades de saúde da população, bem como com os desafios dos serviços e sua gestão. A maior dificuldade, entretanto, tem sido compatibilizá-las com o horário de funcionamento dos serviços públicos de saúde.No presente momento, o desafio da práxis é articular, já para 2013, os campos de Estágio Supervisionado em quatro áreas de intervenção: Vigilância em Saúde, Ambiente e Trabalho; Promoção da Saúde e Qualidade de Vida; Gestão, Informação e Comunicação em Saúde e Gestão de Redes de Cuidados Integrais em Saúde. Com carga de 150 horas/semestre e oito semanas de duração, corresponderão a vivências em situações reais.3 - Análise da experiênciaO curso teve treze vagas ociosas em 2010, 16,25% do ingresso primário; a taxa de permanência foi de 88,2% e a taxa de evasão, de 11,8%; o percentual de trancamento de disciplinas no primeiro semestre de 2010 foi de 4% e o de reprovação em alguma disciplina, 17%. Compreende-se esta situação como uma decorrência de processos correlacionados: o curso ainda estava em suas primeiras coortes (a primeira turma é de 2010.1); a área do curso, Saúde Coletiva, é nova como graduação, os primeiros cursos no país datam de 2009; a concorrência no vestibular tem sido baixa; curso novo e de baixa concorrência atraindo candidatos sem perfil; insegurança quanto às perspectivas profissionais da nova área pois o curso ainda não é reconhecido pelo MEC; disciplinas novas e em construção; e material de apoio didático ainda inadequado.4 - RecomendaçõesPela complexidade da ação curricular numa matriz articulada e do enfoque da ABPP, é fundamental cuidar da profissionalização docente do profissional que exerce a docência. Além disso, a diretriz institucional no sentido de que 20% das atividades de cada disciplina venha a ser oferecida em ambientes virtuais de aprendizagem não deixa de ser um desafio tecnológico para os professores. Mas é possível, ainda, que alguns dos impasses sejam, em parte, tributários da falta de formação dos professores para a docência. Aproveitando o apoio do Pró-Saúde aos processos de construção e revisão curricular da UnB, temos partido da prática docente real para revisá-la, por meio de estudos e realização de educação permanente a partir de consultoria especializada contratada.Por fim, é importante destacar o quanto o processo de acompanhamento e avaliação da implantação do PPP tem se revelado imprescindível e o quanto tem sido fundamental a atuação do corpo docente do DSC como um verdadeiro “colegiado de curso”, o que tem permitido definir níveis crescentes de aprofundamento e complexidade em cada fase curricular a partir da avaliação e acompanhamento.