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Práticas Integrativas e Complementares: desafios teóricos e metodológicos para o campo da gestão em saúde
Resumo
A aprovação da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) ratifica o compromisso de ampliação do acesso e fortalecimento das ações de promoção da saúde e dos princípios do SUS. Este trabalho tem por objetivo socializar alguns desafios para a produção do saber acerca das práticas Integrativas e Complementares no âmbito do SUS. Essas reflexões surgiram no decorrer da investigação cujo objeto era a implantação das práticas Chi Kung e Tui-ná em uma Unidade Básica de Saúde (UBS), de uma metrópole da Região Sudeste do País. Metodologicamente, trata-se de uma pesquisa-ação com 40 servidores e 40 usuários. Foram utilizados entrevistas semi-estruturadas e grupos focais. A Análise de Conteúdo (Bardin) revelou que os desafios situam-se nos âmbitos teórico, epistemológico, metodológico, formativo/qualificação dos profissionais e, investigativo. Desafios que exigem a abertura de espaços que viabilizem sua discussão conceitual e sua aplicação ética e técnica de maneira a superá-los devido ao seu alto potencial de prevenção e cura. Constatamos que o maior desafio situa-se no campo da pesquisa – a complexidade de legitimar na esfera científica as práticas integrativas e complementares (PIC). Foi necessário investigar na implantação e na literatura a sua eficiência, eficácia e efetividade; as indicações e contra-indicações; os riscos, os efeitos adversos e interações; bem como, o custo-benefício. Como estávamos em um lócus que privilegia o saber biomédico ocidental, tornou-se necessário construir espaços para a sua inserção através da socialização de práticas discursivas sobre seus benefícios. Tudo isso era um desafio, pois logo nos deparamos com a carência de pesquisas sobre o Chi Kung e Tui-ná. Quanto ao Tai Chi Chuan, já havia uma discursividade acerca das suas propriedades para conquista da homeostasia em diferentes aspectos da saúde, confirmando os estudos de Yamaguchi (2004) e Barrow (2007). Para a implantação das práticas Chi Kung e Tui-ná aliada a uma pesquisa tomamos como referência os estudos de Carvalho e Luz (2009). Para esses autores, a pesquisa possibilita desvendar o que é marginal em relação ao paradigma vigente e de constituir os fundamentos teóricos e éticos de maneira crítica. Essa associação entre implantação de uma prática e processo investigativo é particularmente importante em contextos instituintes. As PICs são frágeis diante de padrões biomédicos consolidados historicamente. Assim, ressaltamos a importância da pesquisa-ação. A firme posição assumida pelos atores institucionais (pesquisadores e pesquisados) foi de suma importância para o sucesso da implantação, sobretudo, quando problematizam ações padronizadas em saúde. Dessa forma, abriam-se estrategicamente possibilidades para a consolidação dos princípios doutrinários do SUS – equidade, integralidade e universalidade. Os desafios do campo teórico se referiam à necessidade de sistematização de um corpo de conhecimento específico, de uma investigação crítica das experiências e de estudos que contemplem a evolução dos conceitos e métodos. Resta ainda o desafio da busca, segundo Barros (2008), da sua complementaridade com as práticas tradicionais em saúde. Luz (1996) situa as PIC como um movimento contracultural que nasce nos anos 70, baseado na filosofia da promoção de saúde e na utilização de práticas terapêuticas mais naturais, menos invasivas e iatrogênicas. O que sinaliza a recente constituição teórica dessas práticas no ocidente, que só assumirá o seu caráter transformador, com a experimentação. Essa construção teórica demanda vários pontos de vista para abordar a complexidade que envolve o campo da saúde. Em síntese, os desafios teóricos estão associados à complexidade da delimitação desse objeto, condição necessária para a construção desse campo de conhecimento no ocidente. Os desafios metodológicos se revelaram pelo caminho do pensamento, enquanto trilha do sujeito que pretende desvendar as implicações das PICs no âmbito de uma ciência que privilegia o biomédico, distanciado do paradigma da complementaridade. Caminho que busca a essencialidade, o fundamento e a verdade a partir do olhar, da experiência e da vivência. Especialmente, quando este último busca trabalhar na perspectiva da totalidade do sujeito em suas múltiplas dimensões para apreender a complexidade e a imprevisibilidade que envolve o processo saúde-doença. É necessária, então, a construção de instrumentos que transcendam o império da racionalidade biomédica e favoreçam a conformação de um conjunto de saberes originários da PIC acerca do processo saúde-adoecimento-cuidado, a partir do olhar da ciência, da experiência e da vivência. É nesta perspectiva, que o desconhecido tem sido desvelado pela ciência, transformando o simples no complexo, o distante no próximo. Os desafios epistemológicos pautaram-se na problematização das práticas integrativas e complementares (PIC) como dimensões passíveis de apreensão pela racionalidade da ciência como o lugar próprio do conhecimento e das verdades que a sustentam como tal. Para uma articulação rizomática com o paradigma biomédico, as PIC exigem territórios, lógicas ou racionalidades não binárias. No que se refere à formação e qualificação profissional para o exercício das PIC é necessária a constituição de projetos político-pedagógicos com abordagem interdisciplinar, com propensão transdisciplinar. Nessa perspectiva, a construção curricular deve privilegiar a investigação como eixo transversal capaz de abrir caminhos para a integração ensino – serviço – comunidade. Tudo isso culmina, inevitavelmente, no reconhecimento de referenciais que potencializem a problematização das práticas. Por fim, as práticas avaliativas nos processos pedagógicos podem contemplar a produção de projetos de intervenção, tomando como ponto de partida os cenários das práticas. Concluímos que o enfrentamento desses desafios é possível por meio de agenciamentos de componentes heterogêneos de ordem biológica, social, maquínica (phylum das espécies vivas) e imaginária que configuram as linhas de fuga do campo da saúde, cartografando-o em sua complexidade rizomática e produzindo inovações geradoras de acontecimentos, segundo a concepção deleuziana. Referências BARROS, N. F. A Construção da Medicina Integrativa: um desafio para o campo da saúde. São Paulo: Hucitec, 2008. p. 311. BARROW, D. E. et. al. An evaluation of the effects of Tai Chi Chuan and Chi Kung training in patients with symptomatic heart failure: a randomissed controlled pilot study. Postgrad Med J., v. 83, n. 985, p. 717-721, 2007. CARVALHO, M. C. V. S; LUZ, M. T. Práticas de saúde, sentidos e significados construídos: instrumentos teóricos para sua interpretação. Interface, 2009, 13(29): 313-326, Abr./Jun. 2009. YAMAGUCHI, A. M. Efeitos da prática de Tai Chi Chuan no equilíbrio de idosas independentes. 2004. Tese (Doutorado) – Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo. São Paulo. 2004.