Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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O Programa de Qualificação e Desenvolvimento do Agente Comunitário de Saúde: dispositivo de educação, saúde e participação
Marilene Barros de Melo

Resumo


O Programa de Qualificação e Desenvolvimento do Agente Comunitário de Saúde (ACS) foi instituído pelo Ministério da Saúde (MS) com objetivo de investir na profissionalização desse trabalhador. Em 2005, a Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais (ESP/MG) constituiu seu primeiro Curso de Formação Inicial do ACS. Pautado na pedagogia problematizadora, o Módulo I do curso focalizou o qualificação desse profissional para ações de integração social, promoção da saúde e prevenção de agravos na família e na comunidade. Esse estudo tem por objetivo identificar, analisar e compreender as transformações operadas na vida social, familiar e ocupacional desses trabalhadores. Metodologicamente, constituiu-se como um estudo transversal de natureza qualitativa, utilizando o grupo focal como instrumento de investigação. Foram realizados grupos focais com a totalidade dos professores e dos coordenadores do programa, 15 ACS, egressos da turma que concluiu o módulo I em 2008, moradores da área adscrita à área de atuação. A seleção dos ACS constituiu-se de forma aleatória. Quanto ao número de moradores, para cada ACS foram selecionados três integrantes da comunidade – um líder, um usuário do SUS e um membro da família do ACS. Para análise dos dados, empregou-se a técnica de análise de conteúdo. A síntese dos depoimentos possibilitou o estabelecimento de duas categorias: profissionalização e fortalecimento da inclusão social. Constatou-se que na visão dos ACS, professores e coordenadores, a abordagem pedagógica adotada para a formação inicial do ACS, apresentou conteúdo programático e metodologia de ensino capazes de estabelecerem uma relação de mão dupla entre as práticas em saúde e as concepções teóricas que as sustentam, constituindo-se em importante dispositivo para a legitimação de um saber, sustentado também em intercâmbios de saberes populares e em problematizações das experiências cotidianas e a sua profissionalização. Demarcando, assim, a indissociabilidade entre trabalho, serviços de saúde e produção de saber. E, a necessidade de consolidação desse tipo de ação para a ampliação de espaços participativos entre coordenadores dos programas de qualificação em saúde, docentes, trabalhadores e usuários. Um exemplo desse espaço conquistado pelo ACS, a partir do programa de qualificação, foi a sua inserção nas oficinas, realizadas pelas equipes de saúde da família, nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), para a comunidade. A participação do ACS nestas oficinas favoreceu o conhecimento da complexidade da sua missão pela população, além de se constituir como outra possibilidade de discussão sobre temas pertinentes à saúde com a comunidade e, consequente, fortalecimento do princípio da co-responsabilização e ampliação da autonomia sobre a vida. Ficou evidente a importância do programa de qualificação, considerado pelos diversos atores sociais envolvidos na pesquisa como uma conquista: o direito de exercer uma atividade produtiva e de aumento das oportunidades no mercado de trabalho. Dessa forma, o programa de qualificação se constituiu como ferramenta fundamental para o ACS obter controle sobre o seu exercício e a abertura de possibilidades de mobilidade social no interior do sistema. Os ACS e usuários realçaram que o programa viabilizou aos agentes uma nova posição na comunidade e na família. Esse reconhecimento das transformações promovidas em relação à vida e suas perspectivas demonstra que o programa gerou oportunidades e resgatou a dignidade de alguns ACS anteriormente inseridos no mercado informal e sem garantias trabalhistas. Portanto, a qualificação contribuiu para a construção de projetos pessoais de ascensão social mais consistentes. Favoreceu a reinserção social na comunidade adscrita, aumentou a governabilidade local e a sua mobilidade social. O ACS se reconheceu como um sujeito da ação, gerador de transformações efetivas e resolutivas nos serviços. Este reconhecimento ampliou expectativas para o domínio de outras tecnologias, pois o acesso ao laboratório de informática da escola estimulou o interesse dos ACS a respeito de cursos técnicos na área. Alguns professores enfatizaram outro aspecto como a ampliação dos horizontes relacionais a partir do contato com a internet. Situação que reforça outra função social do programa de qualificação, que é a introdução dos ACS às tecnologias antes desconhecidas e à abertura de espaço para que eles se aliassem ao dinamismo que a informática proporciona. Isso significa, também, o acesso a uma nova relação com o saber, pois alguns agentes, diante dessa experiência, buscaram dominar melhor o computador, inscrevendo-se em cursos de informática mais avançados. Evidenciou-se que o emprego de métodos qualitativos demonstrou ser adequado para a apreensão do conjunto de imagens, percepções e ideias dos ACS acerca do seu ‘universo social’, seus significados e experiências. Quanto às dificuldades encontradas nesse processo investigativo, deparamo-nos com os limites da interpretação, particularmente quando se busca um conhecimento prudente, construído e reconstruído permanentemente, com avaliações constantes. Salientamos ainda que o eixo central deste estudo colocou em foco os sujeitos da pesquisa, ou seja, os ACS, docentes, usuários e gerentes que integram o grupo dos atores envolvidos nesse programa e nas UBS. Esses indivíduos se caracterizam por uma concretude balizada pelas suas convicções, sofrimentos e contradições. Torna-se, então, fundamental entender que esses sujeitos podem expressar através da linguagem o que a estrutura dos espaços de formação e do trabalho os convida (ou mesmo impõe) a pensar e expressar. Assim, é possível inferir que a prática social deles possa estar relacionada com a realidade social na qual se inserem. Realidade social que pode, de certa forma, impedir o sujeito de exercer o seu poder, ao ter a sua prática social condicionada ao poder que os outros exercem sobre ele. Esse programa tem, então, a responsabilidade social e política de conferir consistência às ações educativas e aos serviços de saúde, entendendo-os como uma responsabilidade coletiva. Concluiu-se que a profissionalização do ACS tem se constituído por meio da produção de um saber produzido no âmbito da 'prática' em saúde e da valorização do seu papel social na comunidade. Assim, o programa de qualificação em seu módulo I se consolidou não apenas como um dispositivo de produção do conhecimento e transformação do seu papel social do ACS junto às comunidades, mas também a construção de um novo lugar social, mais relevante, participativo e comprometido com a superação das desigualdades.