Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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SUPERAÇÃO, HUMANIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL: Programa de Acolhimento no atendimento hospitalar aos Indígenas de Dourados-MS
Dinaci Vieira Marques Ranzi, Dinaci Vieira Marques Ranzi

Resumo


RESUMO: Dourados é segunda maior cidade do estado de Mato Grosso do Sul, com aproximadamente 200 mil habitantes, que se desenvolveu sobre a terra indígena. Hoje a realidade vivida pelos índios é símbolo da contradição brutal decorrente do processo de expansão econômica e política sobre os povos: Kaiowá, Ñandeva e Terena, cuja presença dos descendentes é marcante até os dias atuais constituindo uma das maiores populações indígenas do Brasil. Dourados tem a Reserva Indígena Francisco Horta Barbosa, que compreende as aldeias Bororó e Jaguapiru e totaliza uma área de 3.539 hectares, com uma população estimada em 2007, pela FUNASA, superior a 12 mil indígenas distribuídos nas duas aldeias. Essa concentração demográfica, de confinamento, favoreceu o surgimento de acampamentos indígenas (Passo Piraju), nas regiões periféricas do município ocasionando a constante reivindicação por ampliação e demarcação de novas áreas, demandando também atendimento diferenciado nos serviços de saúde. Este estudo tem por objetivo relatar o processo de implantação do Programa de Humanização do Hospital Universitário de Dourados referente à população indígena - período de 2004 a 2008. Quando foi inaugurado, oferecia à população apenas atendimento médico ambulatorial e procedimentos cirúrgicos de pequeno porte. Com todas as dificuldades, inerentes ao processo de funcionamento, o Hospital Universitário foi se transformado em Hospital de referência para a região da Grande Dourados. Uma das mais importantes instituições de atendimento à saúde do Estado de Mato Grosso do Sul, sendo o único Hospital de Dourados e um dos poucos deste Estado, credenciado com 100% de atendimento no SUS e com o compromisso de desenvolver ações de ensino e pesquisa, como unidade da Universidade Federal da Grande Dourados. O hospital também abriu suas portas, com o desafio principal de fazer frente à alta taxa de mortalidade infantil indígena que a região registrava na época: 141 óbitos para cada mil nascidos - bem acima da média nacional de 24 por mil. O número de pacientes indígenas internados no período de 2004 a 2008 foram de 858 internações, onde 61,9% eram crianças e 38,1% adultos. Tal resultado indicou a necessidade de programar ações de saúde para esta população, através das estratégias de humanização hospitalar. Também faz uma reflexão sobre a superação do preconceito em relação aos povos indígenas no atendimento hospitalar e como as ações de acolhimento contribuem para o desenvolvimento local, haja vista que, “o cuidar” é uma forma de expressão, de ser, de viver, de se relacionar com o outro e com o mundo. No cuidar humanizado, ele reflete a concepção de qualidade, onde o cuidador é capaz de acolher, refletir, reconhecer e desempenhar, com competência e sensibilidade, uma assistência de acordo com as necessidades do receptor de cuidados. Dentre essas práticas inovadoras acrescenta-se um olhar singular para a saúde indígena, não mais de protecionismo, mas de garantia de direito e de participação coletiva atendendo ao princípio da equidade. Sugestões simples apontadas na Comissão de Humanização sobre a complexidade da singularidade de cada sujeito promoveu discussão, junto a outros órgãos responsáveis por este segmento, forjando um projeto para ações humanizadoras: “Respeito à Cultura Indígena” considerando os aspectos culturais relevantes para essa população e primando por um dos bens maiores da sociedade, ou seja, a possibilidade de comunicação entre os pares. O respeito à população indígena também era demonstrado através do acompanhamento e evolução nutricional específicos, respeitando sua cultura e efetivando a integralidade do cuidado dentro dos preceitos da humanização. Os projetos do Programa de Humanização representaram um marco na melhora da qualidade do atendimento e acolhimento à saúde da criança e à saúde do índio, além de respeitar a cidadania de todos. A diferença na alimentação, a distância da família e dos curandeiros, as mudanças de ambiente e o fato de estarem internados prejudicavam as particularidades de cada etnia e comprometia o sucesso do tratamento médico. Em Dourados, muitas crianças em estado grave de desnutrição interromperam seu tratamento por causa dos familiares que, inseguros, tiravam as crianças dos hospitais, o que resultou em morte. Hoje o Hospital Universitário de Dourados, administrado pela Fundação Universidade Federal da Grande Dourados, é referência na assistência à Saúde em média e alta complexidade e, através de parceria com a FUNASA, o atendimento direcionado à população indígena. O projeto “Acolhimento da Porta de Entrada” conta com um Enfermeiro indígena que trabalha também como interprete resolvendo assim, nesta instituição, a dificuldade de comunicação entre os profissionais de saúde e os usuários indígenas. A tecnologia e a humanização deverão ser combinadas, interligadas, no desafio de atender as necessidades dos usuários, como ponto de partida para qualquer intervenção hospitalar: promovendo o acolhimento do paciente e a humanização do atendimento; valorizando a alta do paciente, contra o referenciado; fazê-lo ver a importância da sua unidade de saúde e inserindo-o ao seio familiar, como elo para a sua recuperação, quebrando assim os vários modelos de atendimento, costumeiramente encontrados por quem utiliza o SUS. Pretende-se, com este trabalho, socializar os avanços e os desafios do Programa de Humanização que busca garantir assistência de qualidade às pessoas indígenas, em respeito à diversidade étnica. A mudança de atitude é real, entretanto difícil, pois a sociedade resiste quando se trata de algo diferente a ser produzido e organizado e o ser humano sempre tem medo do novo. Mudar rotina de trabalho partindo do pressuposto que o “outro” também “sou eu” é um exercício continuo de humanidade. Também é preciso desconstruir a cultura da doença que programa o ser humano para a morte. A humanização em saúde eleva seus profissionais e usuários a criar uma cultura para a vida, em toda sua plenitude, que é também um dispositivo para a liberdade.