Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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3-CREPOP: Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua do município de Resende: realidade e desafios para a garantia de direitos
Melissa Botelho de Oliveira, Flávia Silva Santos, Sabrina Alves de Faria

Resumo


O Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua do município de Resende – CREPOP- constitui-se enquanto instituição destinada ao acolhimento de pessoas que, por uma gama de motivos, dentre os quais já mencionados anteriormente, se utilizam das ruas para a sobrevivência. A instituição localiza-se no bairro Colina, em um dos doze galpões que compõem o Parque de Exposições de Resende. Porém, cabe ressaltar que apesar de se localizar em uma área onde são realizados diversos eventos da cidade, o Centro de Referência situa-se em um bloco afastado, cujo acesso só é possível através de estrada de chão. E o horário de funcionamento se estende das 08h00min às 17h00min, de segunda à sexta-feira.O Centro de Referência para a População em Situação de Rua de Resende – CREPOP- foi criado no ano de 1999 e tem como público-alvo a população de rua adulta do município. Segundo o entrevistado, a instituição atende a diversos casos de jovens entre 19 a 23 anos com dependência química em virtude do uso abusivo do crack, droga de baixo custo e efeito de curta durabilidade, o que acentua seu grau de dependência. Atualmente, cinco jovens atendidos pela instituição encontram-se internados em clínicas evangélicas de recuperação para dependentes químicos do município. Já os demais usuários atendidos situam-se na faixa etária dos 45 a 60 anos de idade.Verificou-se também que devido ao horário de funcionamento da instituição (08h00min às 17h00min), durante todo o período noturno os usuários retornam às ruas, pois, de acordo com o entrevistado, a totalidade dos indivíduos apresenta um histórico familiar de vínculos totalmente rompidos, logo, a grande maioria que não tem a quem recorrer, permanece na rua.No que se refere à rede hospitalar, o entrevistado alegou que não há prioridade no atendimento à população em situação de rua nos hospitais e unidades básicas de saúde públicas, somando-se a isto o elevado grau de discriminação dos médicos no atendimento desse segmento. Logo, pode-se dizer que a realidade do município, no que concerne à saúde, está muito aquém dos princípios universalizantes e eqüitativos plasmados no SUS – Sistema Único de Saúde.Do mesmo modo, o entrevistado afirmou que os CAPS – Centros de Atenção Psicossocial do município atuam de forma residual e paliativa, não promovendo a continuidade no tratamento psicossocial dos usuários. Com relação ao CAPS-AD, o entrevistado também demonstrou significativa insatisfação no que se refere aos serviços prestados, visto que não há um acompanhamento sistemático dos usuários de álcool e drogas, o que compromete a efetiva recuperação dos mesmos.Por tudo isso, verifica-se que a população em situação de rua do município de Resende convive com uma realidade de extrema negação de um direito que é universal a todas as pessoas, ou seja, o direito ao acesso à saúde pública e de qualidade. Logo, pode-se argumentar que uma vez negligenciado um direito elementar e primordial, as chances de recuperação e de realização de um trabalho profícuo com este segmento tornam-se escassas e até mesmo inexistentesNo que diz respeito às atividades oferecidas pelo CREPOP verificou-se a existência de uma horta, cultivada para o consumo dos próprios usuários; oficina de sabão, artesanato e oficina de vídeo. Ressalta-se que todo o sabão fabricado é vendido para o comércio da cidade, sendo os recursos revertidos na compra de material de higiene pessoal dos usuários. E, no que se refere à oficina de vídeo, o agente social destacou que se trata de uma atividade realizada com o intuito de elevar a auto-estima dos moradores de rua, de modo a contribuir para o processo de reintegração social e, concomitantemente, na construção de novas identidades (HALL, 1992). Logo, a oficina de vídeo consiste na exibição de filmes que têm por objetivo suscitar o debate, sendo instrumentalizada pelo psicólogo da instituição.Ainda de acordo com as informações obtidas mediante entrevista, verificou-se que o Centro de Referência para a População em Situação de Rua abrange desde o município de Resende até a cidade de Cruzeiro, situada na divisa entre os estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Desse modo, o entrevistado afirmou que a instituição atende em torno de trinta pessoas por dia, sendo freqüente o atendimento a migrantes de Porto Real e Volta Redonda. Sem contar o grande número de imigrantes oriundos do Paraguai, Chile e Guiana Francesa que já foram atendidos pela instituição. Logo, com relação às pessoas que chegam até o CREPOP oriundas de outras cidades e de outros países, o agente social esclareceu que existe uma ficha onde são registradas várias informações de modo a contribuir para o controle dos atendimentos realizados como também para traçar o perfil socioeconômico dos indivíduos assistidos.Quando indagado a respeito da questão da violação dos direitos humanos, o entrevistado afirmou que são freqüentes os casos de espancamentos e, até mesmo, esfaqueamentos. Atualmente, segundo o agente social, existe um morador de rua que está prestes a perder a visão em decorrência de um espancamento que sofreu na rua. Desse modo, embora o entrevistado tenha afirmado que são comuns as brigas entre os indivíduos que habitam as ruas, há que se considerar que a sociedade é discriminatória e que a cultura excludente e moralista da sociedade brasileira constitui-se enquanto fatores de grande relevância no tocante à multiplicação dos casos de violação dos direitos humanos de grupos marginalizados e subjugados. A título de exemplo, podemos citar o marcante caso do Índio Galdino (1999), vítima da violência brutal cometida por jovens de classe média enquanto dormia nas ruas de Brasília, dentre muitos outros atos desumanos praticados todos os dias no Brasil, que, por hora, os limites deste artigo não nos permitem explicitar.Em virtude de tudo o que foi mencionado, compreende-se que a realidade do município de Resende apresenta muitos desafios para a efetiva consolidação da garantia dos direitos da população em situação de rua. Conforme mencionado anteriormente, verificaram-se graves deficiências no tocante aos serviços de saúde e até mesmo a rede assistencial tem atuado de forma precária e desvinculada dos princípios e diretrizes celebrados constitucionalmente.Percebeu-se que não há uma efetiva articulação entre as três esferas de governo no que compete à inclusão da população em situação de rua em programas de qualificação profissional e tão pouco na oferta regular de educação de jovens e adultos.Sendo assim, verificou-se que todos os fatores mencionados confirmam total desprezo e discrepância da realidade municipal com relação aos princípios e diretrizes celebrados na Política Nacional para Inclusão da População em Situação de Rua. Portanto, como aponta Potyara Pereira (2004), a efetiva inclusão social no Brasil somente se tornará uma realidade a partir do momento em que a política de seguridade social do país evoluir da atual concepção de atendimento das necessidades básicas e, finalmente, adotar um direcionamento que objetive a assistência às necessidades humanas na perspectiva do que é essencial.Desde então, percebe-se que, em virtude da ofensiva neoliberal, as políticas sociais públicas de um modo geral e, especificamente, a política de Assistência Social e de Saúde, estão direcionadas ao provimento dos mínimos sociais, do básico, em detrimento do essencial e integral, o que ressalta os inúmeros desafios impostos à prática profissional dos assistentes sociais na sociedade contemporâneaPor tudo isso, enquanto profissionais que trabalham diretamente com as expressões e o progressivo recrudescimento da questão social na sociedade capitalista brasileira, os assistentes sociais são desafiados a atuar de forma a confirmar o disposto no projeto ético-político da categoria, de modo a cooperar na legitimação de uma ordem societária “sem dominação e/ou exploração de classe, etnia e gênero” (Netto, 1999).