Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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Envelhecimento: impacto da provisão de cuidados formais em saúde bucal
Maria Fatima Jorge, Delane Maria Rêgo

Resumo


O envelhecimento populacional como acontecimento rápido nos países em desenvolvimento (Organización Panamericana de la Salud, 2005), demanda ações ao envelhecimento ativo. A saúde bucal também participa como indicador de qualidade de vida de idosos, influenciando a autoconfiança, comunicação social e manutenção da independência (Shtereva, 2006). Assim, a provisão do cuidado formal de saúde bucal (World Health Organization, 2005), pode incrementar a promoção da saúde. Este incremento é necessário, pois, embora conceitos na área estejam assimilados, ainda ocorrem dificuldades na operacionalização, particularmente nesta faixa etária (Veras, 2009). Dificuldades com cuidados protetores ainda são detectadas em países desenvolvidos e em desenvolvimento, sobretudo nas desigualdades no acesso (Listl, 2011). Ações capazes de beneficiar a saúde, a independência e a redução de custos para populações senescentes são indispensáveis. Ao longo da vida, quanto menor o suporte disponível para enfrentar as perdas, maiores serão os prejuízos. Os profissionais de saúde devem estar cientes das peculiaridades do cuidado prestado visando contribuir com o envelhecimento saudável. Compreender como essa construção acontece no cotidiano da provisão dos cuidados poderá estimular a produção de medidas de suporte ao bem estar e a qualidade de vida. Objetivo: Identificar o impacto da provisão do cuidado formal em saúde bucal na percepção de adultos mais velhos e idosos. Método: Trata-se de um estudo de base qualitativa, onde foram realizadas entrevistas individuais semiestruturadas com 30 pessoas de idade superior a 50 anos (22 mulheres e 08 homens), em um Centro de Convivência para idosos no nordeste do Brasil. O Centro é uma instituição filantrópica com a finalidade de acolher senescentes em situação de risco social: um grupo de indivíduos, que nasceu, cresceu, vive, trabalha e envelhece em condições injustas e evitáveis. Para a compreensão das experiências com os cuidados formais recebidos em saúde bucal ao longo da vida, os relatos obtidos foram analisados em profundidade. Inicialmente se transcreveu os achados sem preocupação interpretativa. Após a limpeza de repetições, uma leitura exaustiva foi executada para apreensão do sentido das informações coletadas. Em seguida, foram selecionadas as Unidades Significativas dos discursos, correspondendo aos trechos relevantes em um mesmo grupo temático Resultados: Identificamos as categorias temáticas de: determinante social e iniquidade em saúde bucal; e provisão de cuidados de saúde bucal e mal-estar físico, mental e social. Observamos que as iniquidades se refletem na doença bucal, marcada pela vivência em condições injustas e evitáveis. A maioria tinha baixa escolaridade, profissão na área de serviços gerais e baixo salário. A carência financeira ajudou a subtrair o acesso ao cuidado e no adiamento da visita ao dentista: Para extrair os dentes era preciso enfrentar filas imensas e para restaurar, era impossível (MA, 50 a); Era difícil ir ao dentista, não podia pagar particular e não tinha vaga no serviço público (CO, 50 a); Demoravamos a ir ao dentista, pois não podíamos comprar remédios. Somente íamos quando não suportávamos mais de tanta dor (AT, 72a); Extraíamos os dentes um após outro, aos 47 anos não restava nada. Perdemos vários dentes por falta de esclarecimentos (JE, 52a). De acordo com Moreira, Nations, Alves (2007), um quadro assim delineado, seria diferente caso houvesse oportunidades de superação do que é considerado socialmente injusto. Desse modo, a experiência da dor, a desesperança da inacessibilidade e a mutilação do edentulismo, poderiam ser minoradas pelo provimento, por exemplo, de informação. As cconsequências se materializam em não cumprimento de metas da Organização Mundial da Saúde. O Projeto SB Brasil, 2002-2003, detectou apenas 10,3% das pessoas na faixa etária entre 65 e 74 anos com 20 dentes ou mais funcionais na boca. A procura por dentista, motivada pela dor, entre adultos e idosos foi próxima de 50% (Brasil, 2004). Os resultados do levantamento epidemiológico SB Brasil 2010, ainda evidenciam dificuldades à saúde bucal dos idosos. Na faixa etária entre 65 e 75 anos, são mais de 3 milhões de pessoas necessitando de prótese total nas duas arcadas dentárias e outras 4 milhões, de prótese parcial em pelo menos uma das arcadas (Brasil, 2011). Embora se recomende mais estudos para se estabelecer um padrão global (Listl, 2011), é indispensável considerar o peso do baixo nível socioeconômico prejudicando o acesso, principalmente a cuidados que poderiam melhorar a saúde e a qualidade de vida (Tsakos, 2011). Na temática da provisão de cuidados de saúde bucal e mal-estar físico, mental e social, percebemos que a relação profissional/paciente demandava a criação de vínculos, onde o monólogo instituído foi um peso, na carência de quem o desejava e na inabilidade de quem deveria ensejá-lo. Detectamos mitificação do sentido da velhice, recusa por novos investimentos, aconselhamento abreviado e incompreensão de recomendações: Se o dentista não trocar uma palavra, vem o medo. Sem receber atenção é melhor não procurar (SB, 69a); A velhice nos aproxima da morte, então não se deseja mais colocar próteses (AT, 72a). Um dente doente afeta outro, com a prótese total a pessoa é mais saudável (JF, 68a). Dentes servem para falar e sorrir. Perder os dentes é perder a boca (LD, 73a).Diante da falta de atenção profissional não interessa o retorno, enquanto na comunicação efetiva ocorria sentimento de amparo e estimulo à visita periódica, independentemente dos recursos do ambiente: Máquinas e equipamentos não influenciam no bom atendimento, sem conversa a pessoa fica triste (JÁ, 64a); Há profissionais que dialogam, então queremos voltar. É necessário conversar e dar explicações (JF, 68a); Ao sabermos a utilidade dos dentes, não queremos perdê-los (ED, 75a). Entendemos que cuidar é escutar as pessoas, considerar o pensamento e reconhecer o outro. Valorar o humano é garantir a dignidade da palavra, numa postura que qualifique o cuidar em saúde (Brasil, 2001). A preocupação advém de queixas no atendimento a idosos, como atitudes negativas e comunicação ruim por parte de profissionais de saúde (Organização Mundial da Saúde, 2008). Além disso, disponibilizar atenção às pessoas poderia evitar o que é denominado de desperdício da experiência do profissional (Morim, 2007). Profissionais do setor saúde poderiam ser investigados acerca dos desafios da relação profissional/paciente (Mota, Aguiar, 2007), objetivando potencialidades ao envelhecimento bem sucedido. Concluimos que prestar cuidados agregando abordagem humanístico-ética pode levar a vivências dignificantes no envelhecimento. O cuidado atencioso estimula a promoção da segurança pessoal, tornando-se um bem. Além da influência das condições de vida, a atenção recebida dos profissionais é capaz de produzir impacto positivo sobre a saúde bucal e ao envelhecimento saudável.