Rede Unida, 10º Congresso Internacional da Rede Unida


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TRANSVERSALIDADES NA LINHA DE CUIDADO EM SAÚDE MENTAL NO SUS E SUA INTERFACE COM A ATENÇÃO PRIMÁRIA
Andrea Acioly Maia Firmo, Maria Salete Bessa Jorge, Mardênia Gomes Ferreira Vasconcelos, Antonio Germane Alves Pinto, Alexandre Mello Diniz

Resumo


A organização da assistência à saúde possui o desafio de fortalecer a integração dos diversos elementos constituintes do cuidado e redes assistenciais em busca da efetivação da integralidade e resolubilidade da atenção à saúde. Estes princípios almejados vêm se produzindo em torno da concepção de “linhas de cuidado”, ou seja, fluxos seguros a todos os serviços que venham a atender as necessidades dos usuários. Com efeito, “caminhar na rede” com a devida articulação das diversas linhas e a conformação de propostas de cuidado de modo transversal tem sido um “nó crítico” que potencialmente se desvela nos encontros estabelecidos pela dinâmica do trabalho dos diversos níveis de complexidade e na efetivação do cuidado em suas diferentes áreas e núcleos de saberes, a partir da mudança do núcleo tecnológico do cuidado, composto pela hegemonia do trabalho vivo e no encontro entre trabalhadores, usuários e gestores no cotidiano. O referencial transversal para a integralidade em saúde implica justamente no reconhecimento da autonomia e singularidade desses múltiplos protagonistas da relação terapêutica. Nesse sentido, o presente estudo buscou analisar a conformação da linha de cuidado em saúde mental no Sistema Único de Saúde (SUS) com ênfase nas práticas operadas no cotidiano da Estratégia Saúde da Família (ESF) e Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) nos Municípios de Fortaleza e Maracanaú, no Estado do Ceará. Tratou-se de um estudo qualitativo sob vertente crítica-analítica, que foi escolhida como possibilidade de analisar o fenômeno social e suas relações no campo da saúde mental e da atenção básica, tendo em vista que tal compreensão nos possibilita dimensionar os significados, sentidos, intencionalidades e questões subjetivas inerentes aos atos, atitudes, relações e estruturas sociais. Participaram do estudo 23 usuários, 8 familiares e 29 trabalhadores de saúde das equipes do CAPS e ESF e 7 gestores dos sistemas locais dos Municípios investigados. Os sujeitos do estudo foram definidos segundo a composição operacional da equipes de trabalhadores da saúde nas redes assistenciais sob investigação. Para a coleta de dados optou-se pela triangulação de dados a partir das técnicas de entrevista semi-estruturada, o grupo focal e a observação sistemática, entendendo-as como um conjunto de técnicas e instrumentos que possibilitam a investigação científica do objeto de pesquisa indagado a partir do manejo mais sensível às várias condições e situações cristalizadas ou dinâmicas. Durante as entrevistas buscamos abordar questões subjetivas e objetivas que possibilitassem a obtenção de informações a partir da estruturação prévia de parte dos questionamentos e reflexões. Utilizamos a observação sistemática intentando compreender a realidade de forma complementar a análise obtida a partir da entrevista, dado que esta técnica nos permite captar uma realidade empírica em suas diferentes dimensões, tais como: atos, significados e relações concernentes à linguagem corporal, os lapsos e variações da fala, bem como possibilita o confronto com os dados apreendidos entre a representação (fala/depoimento) e a prática concreta no serviço de saúde. Também, a técnica de grupo focal surge como estratégia de abordar questões a partir da interação grupal, gerando a possibilidade de se desvelarem as condições estruturais, de sistemas de valores, normas e símbolos através das representações de grupos determinados, em condições históricas, sócio-econômicas e culturais específicas. A análise documental foi utilizada de forma complementar para a análise de lacunas apontadas nas outras técnicas referidas acima. Os princípios de definição amostral foram construídos a partir da busca de aprofundamento e compreensão do grupo social e sua organização. Em síntese, formaram-se dois grupos focais com os usuários que participam dos grupos terapêuticos por pelo menos seis meses e estes foram realizados tanto no PSF quanto no CAPS de cada Município. A coleta do material empírico manteve os princípios éticos que norteiam o trabalho científico, guardando o anonimato e sigilo quanto à autoria das respostas dos entrevistados e observados. Os sujeitos tiveram acesso ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. O projeto de pesquisa foi previamente submetido à análise do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e a pesquisa de campo somente iniciou-se após sua aprovação. O tratamento do material empírico seguiu as orientações da análise de conteúdo do tipo temática, que apontam três etapas básicas: ordenação, classificação e análise final dos dados; bem como as observações pelo fluxograma analisador proposto por Merhy (1997), que se pretende analítico em relação aos elementos subjetivos que atravessam a produção da prática, presentes nos diferentes momentos de fluxo de usuários na rede de atendimento. A discussão e apresentação dos resultados seguiram a perspectiva crítica reflexiva sobre o cenário analisado. Os resultados evidenciam que as propostas de intervenção junto aos usuários com transtornos mentais acompanhados no matriciamento na rede de Atenção Primária à Saúde (APS) dos municípios supracitados, se desenvolveram de forma articulada, seguindo o modelo de redes de cuidado, de base territorial e atuação transversal com outras políticas específicas, que buscam o estabelecimento de vínculos e acolhimento, desconstruindo os modelos ainda preestabelecidos e normativos, engessados em funções cristalizadas. Identificou-se que a transversalidade, efetivação e garantia da continuidade do cuidado, de acordo com os discursos dos trabalhadores da saúde, acontecem quando: os serviços de saúde realizam a garantia de medicamentos, o retorno dos usuários ao centro de saúde da família (CSF) e mediante a realização contínua de atendimentos individuais, grupais e a remarcação de consultas. Entretanto, a articulação e comunicação efetiva com as equipes de saúde de outros níveis de atenção são questões ainda apontadas como detentoras de impasses, que inviabilizam encaminhamentos mais resolutivos. Nesse sentido, para garantir seu acesso aos serviços de saúde, vemos que usuários se dinamizam na composição de seu itinerário terapêutico com SUS e nas redes de cuidados, bem como para a efetivação das pactuações entre equipes de saúde, usuários e suas famílias quanto à elaboração de estratégias de cuidados e reabilitação psicossocial de modo integral, menos burocratizada e com relações de saber-poder flexibilizadas. Em contrapartida, as equipes de saúde investigadas já sinalizam o inicio de atividades de formulação de projetos terapêuticos ampliados e não centralizados apenas na conduta medicamentosa, seguindo a concepção de que estas ações apresentam possibilidades de comprometimento com a reversão do modelo assistencial.